terça-feira, 18 de dezembro de 2012

"POEMA  DE  NATAL"
 
Não são poucos os leitores que me pedem comentários a respeito do emprego do infinitivo, uma das pedras mais agudas de nossa língua. Resolvi topar a parada quando, noite dessas, enfrentando um congestionamento causado por motoristas que queriam entrar no estacionamento de um shopping, lembrei-me de alguns textos de reflexão sobre o Natal. "O Peru de Natal", de Mário de Andrade, "O que Fizeram do Natal", de Carlos Drummond de Andrade, e "Poema de Natal", de Vinicius de Moraes, foram alguns dos que me vieram à mente.
O que realmente me fez aceitar a tarefa foi o poema de Vinicius, cuja primeira estrofe é esta:
 
"Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra".
 
Não há quem nunca tenha ficado em dúvida na hora de optar entre "fazer" e "fazendo" etc. Motivado pelo aviso de que trataríamos do infinitivo, você mesmo, caro leitor, talvez tenha se perguntado por que Vinicius escreveu "lembrar" (em vez de "lembrarmos"), "ser" (em vez de "sermos") etc.
Comecemos pelo primeiro verso do poema: "Para isso fomos feitos". Note que o verbo está na voz passiva e que o sujeito (nós), portanto, é paciente, o que certamente não ocorre por acaso. Não nos fizemos, não fizemos a nós mesmos; fomos feitos.
E fomos feitos para quê? Para lembrar, ser lembrado, chorar, fazer chorar, enterrar nossos mortos...O sujeito de todas essas formas verbais é o mesmo da oração que inicia o poema. E aí está a primeira lição sobre o emprego do infinitivo: quando seu sujeito é o mesmo do verbo da oração anterior, sua flexão é desnecessária.
É bom que se diga que "desnecessária" não é sinônimo de "incorreta" ou "inadequada". A questão não é de acerto ou erro, mas de efeito. Com a flexão do infinitivo ("lembrarmos", "sermos"...), haveria ênfase no sujeito ("nós"). Sem a flexão, a ênfase se dá no processo expresso pelo verbo.
O verso inicial deixa clara a intenção do poeta. Ao pôr o verbo na passiva e, consequentemente, o sujeito como paciente, o poeta inicia um contexto em cuja sequência o que importa  são as ações, não quem as eefetiva. Para atingir esse intento, deixa intactos os infinitivos: "Fomos feitos para lembrar, para chorar e fazer chorar, para enterrar...".
O poema tem quatro estrofes, mas não vou estragar a surpresa. Leia-o. Aproveito para fazer-lhe uma sugestão: se você gosta de dar presentes natalinos e ainda não zerou a lista, a Antologia Poética de Vinicius, publicada pela Companhia das Letras, é uma boa ideia.
No próximo Natal, se seu bolso estiver recheado, sugiro-lhe a caixa de CDs de Vinicius e seus parceiros. Um dos discos da coleção é - aleluia" - a versão a laser do do memorável LP em que o "poetinha" diz alguns de seus belos textos, entre eles o "Poema de Natal", em comovente interpretação. Se já tiver zerado a lista, dê o livro (ou caixa) a você mesmo. Bom proveito" É isso.
(Inculta e Bela 4, Pasquale Cipr Neto)
 


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O DESVIO ÉTICO DO GERUNDISMO
(Luiz Costa Pereira Junior)
Há implicações éticas no vício de linguagem. O uso excessivo e desnecessário do gerúndio é conhecido como endorreia, cuja forma popular é a construção "vou estar + gerúndio", uma perífrase (locução formada por dois ou três verbos). A locução em si é legítima, quando comunica a ideia de uma ação futura que ocorrerá no momento de outra ou sequenciada. As sentenças "vou estar dormindo na hora do jogo" ou "vou estar vendo o jogo quando você estiver assistindo à novela" são adequadas ao sistema da língua, assim como em verbos que indiquem processo: "amanhã vai estar chovendo" ou ato contínuo: "vou estar trabalhando das 8h às 18h".
Aquilo a que nos acostumamos a chamar de gerundismo se dá quando não queremos comunicar essa ideia de eventos ou ações simultâneas, mas antes falar de ação pontual, em que a duração não é preocupação dominante. "Vou falar" narra algo que vai ocorrer a partir de agora. "Vou estar falando" se refere a um futuro em andamento. É inadequado usar uma forma verbal com valor de outra - falar de ação isolada, que se encerraria num só ato, como se fosse contínua. Quando respondemos ao telefone "vou estar passando o recado" fazemos o recado, que potencialmente tem tudo para ser dado, não ter mais prazo de validade. O vício aqui isenta a pessoa de responsabilidade sobre o que prometeu fazer. É antes de tudo um desvio ético.
A TENTAÇÃO DO PRECIOSISMO
Termos afetados substituem outros mais simples em ramos como Direito
O Supremo Tribunal Federal manteve o poder de investigação do Conselho Nacional de Justiça no mês passado. A decisão, que garante a atuação de um órgão que tem exposto as mazelas do judiciário brasileiro, vem na esteira de uma série de denúncias envolvendo a Magistratura. As acusações se avolumam, de decisões suspeitas de anulações de processos como endinheirados, de pagamentos e movimentações bancárias duvidosos a denúncias de nepotismo e hipervalorização de salários.
Um antigo inimigo da Justiça tem se somado a essa "proemial delatória" (denúncia), à lentidão das sentenças e à estrutura arcaica dos tribunais. É o preciosismo, o uso de um português arrevesado, palavrório de raciocínios labirínticos e expressões pedantes.
Correção de Rota
Preciosismo é a afetação, no requinte excessivo do fraseado, no uso de palavras incomuns, perífrases. Não é exclusividade do mundo do Direito. mas costuma aparecer em peças jurídicas às vezes involuntariamente engraçadas .
A adoção de uma linguagem mais coloquial pelos profissionais da advocacia tem sido dada em relação direta com a qualidade da produção do Direito e a velocidade no atendimento à população. Um vocabulário mais simples, direto e objetivo pode aproximar a sociedade da Justiça.
Jargão
Toda atividade tem seu jargão. O que é nocivo é o uso crônico de palavras ou expressões rebuscadas quando há outras que dizem o mesmo. Se a linguagem técnica tem de ser exata, não pode ser ambígua nem conotativa. Mas vocábulos rebuscados podem ser substituídos por palavras mais simples, sem prejuízo do significado.
Os defensores do juridiquês acreditam que simplificar a linguagem é uma falsa questão, pois quem mantém relações com a Justiça é o advogado, não seu cliente. Com isso, o jargão se radicaliza, até por necessidade de legitimação.
Atacar o preciosismo é, portanto, um modo de atacar a disfunção básica do sistema, do mesmo modo que medidas como a manutenção do poder de investigação do CNJ.
PRECIOSISMOS
 
                                Abroquelar (fundamentar)            
                              Cátula chéquica (folha de cheque)         
         Estipêndio funcional (salário)
                    Areólogo (tribunal)                       
                                  Consorte supérstite (viúvo-a)                     
   Fulcro (fundamento)
                       Auguer (aluguel)                         
                                           Cúspide (cume, vértice, píncaro)               
  Indigitado (réu)
                                             Avença (concórdia)                                      
                                              Ergástulo público (cadeia)                         
  Pretório (tribunal)

VÍCIOS SONOROS
Vícios sonoros são, provavelmente, os mais fáceis de identificar, pois muitas vezes "doem no ouvido", o que não significa que sejam igualmente fáceis de brecar. Evitá-los, no fundo, não passa de polidez sintática: a arte de não chamar mais atenção à forma sonora do que ao conteúdo textual do que se diz.
CACOFONIA
Do grego Kakophonia (voz ou som desagradável). Consiste na junção de duas palavras que formam outra de efeito acústico inconveniente ou desagradável:
"Não tinha ilusões acerca dela."
"Não se trata de ter fé de mais ou fé de menos, mas de ter esperança."
"Manteve uma mão livre."
COLISÃO
Do latim collisione, de collidere (bater contra), o vício da colisão consiste numa sequência desagradável de palavras formadas por constantes iguais ou semelhantes, em particular quando o autor da sentença não tenha intenção de obter efeito estilístico.
É uma aliteração involuntária e infeliz.
A colisão difere da cacofonia porque não resulta em palavra de efeito acústico invonveniente ou desagradável.
"Quer quebrar coco com a cabeça."
"Sofro sua ausência sem cessar."
"Pó-pa-tapá-taio", como pediu o gorato na farmácia do interior, tentando dizer 'pó para tapar talho."
Ele se referiu à velha sulfa usada então para curar ferimentos, corte, "talhos".
ECO
Efeito acústico em geral desagradável da repetição de fonemas iguais, como sequência de "-ãos", "-mentes" e "-menos": "Não dão explicação para a demissão do João" (Aurélio).
"Lamento seu abatimento, mas no momento não temos elementos para dar-lhe sustento."
EQUÍVOCOS EXISTENTES
 Abóboda (abóbada)                
 Rúbrica (rubrica)              
 Limpesa (limpeza)       
   Acróbata (acrobata)
 Circuíto (circuito)                  
  Cidadões (cidadãos)         
  Exijimos (exigimos)    
  Misântropo (misantropo)      
  Indentidade (identidade)       
 Mortandela (mortadela)      
Quiz (quis)                    
 Obseçao (obsessão)
 Mendingo (mendigo)            
   Puzer (puser)                      
 Perca (perda)
 
AMBIGUIDADE DESVIA A ATENÇÃO
Do latim ambiguitate (incerteza, obscuridade), é representata pela falta de clareza e a dualidade de sentido:
"Entrou no apartamento pegando fogo", como publicou no jornal em tragédia recente.
É mais apropriado supor que o apartamento é que estava em chamas e não a pessoa, mas o enunciado é ruim por não ser impossível que alguém estivesse em chamas reais ou figuradas. Mais claro: "Entrou no apartemanto que pegava fogo".
Em outro título:
"Britânico confessa assassinato da sogra durante oração".
Teria ele matado a pobre sogra que orava? Não. A polícia instalou gravador no carrto do suspeito que, em oração, pediu perdãqo a Deus por ter matado a sogra. Com clareza: "Em oração, britânico confessa ter matado a sogra."
"Peguei o ônibus correndo." Quem estava a correr?
"Luís elogiou Edgar em sua casa." Casa de quem?
(Língua Portuguesa. ano 7.nº 77 março de 2012)





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