quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
TEMPOS DE DECISÃO
Na hora de votar convém lembrar que há diferenças entre aquilo em que acreditamos e o que fazemos
Um experimento teórico tem sido utilizado para estudar a lógica da decisão. Imagine que um trem lotado encaminha-se para um precipício, redundando numa queda da qual não restariam sobreviventes. Posicionado em um entroncamento, você pode ativar uma alavanca para desviar o comboio, fazendo-o atingir um pequeno grupo de pessoas. Sua intervenção certamente causaria um número menor de vítimas. Como você agiria?
Pesquisas sobre esse dilema mostram que as pessoas agiriam segundo o princípio do "menor dano". Em mais de 90% dos casos os sujeitos apertariam a barra salvando muitas pessoas, assumindo a responsabilidade pela morte de algumas outras. Porém, dizer nem sempre é fazer. Experimentos nos quais é preciso agir – e não apenas declarar as intenções – apontam outro resultado. A convicção em torno de valores, princípios e regras pode se mostrar incrivelmente frágil diante da experiência real. Situações concretas, por sua vez, são muito sensíveis à contagem dos participantes. Sozinhos na situação do trem, você e sua consciência provavelmente tomariam atitude diferente daquela que teriam se houvesse testemunha. O inconsciente é composto por figuras que o habitam e é sempre em companhia delas que você terá que decidir. A defesa inócua do criminoso comum é alegar que está em paz com sua consciência. Mas nunca estamos em paz com nossa consciência – ela é feita para nos atormentar, para rever continuamente as consequências, causas e razões de nossos atos. Estar "em paz com a consciência" é, no fundo, não ter consciência.
Em seu Projeto de psicologia científica para neurólogos, de 1895, Freud estabeleceu alguns fundamentos para uma lógica da escolha. Em um verdadeiro processo de decisão, temos de comparar situações de tal forma que proposições se formem em nossa consciência. Antes de qualquer escolha há uma espécie de metadecisão envolvendo os caminhos pelos quais a opção pode ser feita. Podemos até estar bem-intencionados, e acreditar que escolha é apenas uma elaboração de pensamento.
Mas temos um júri coletivo que será destinatário de nosso juízo. Perguntamos como agiriam as pessoas que conhecemos, amamos ou respeitamos e reciprocamente como seríamos julgados por elas. É neste ponto que os 90% de coração reto se invertem, com Nietzsche, em 90% de preconceito, suspensão da reflexão e "raciocínio de rebanho". A diferença entre a verdade do que dizemos e o real do que fazemos emana do fato de que agir compromete, custa. Movendo a alavanca nos tornamos responsáveis diretos pela morte de inocentes. Esperando passivamente que o trem caia no precipício, ficamos em paz com nossa consciência, afinal "alguém" deveria ter pensado nisso antes, alguém da companhia de trens ou da vigilância antiprecipícios. Aqui surgem os dois outros elementos da lógica freudiana da decisão: a angústia e o tempo. A verdadeira escolha nunca é tomada sem a incerteza de um tempo de angústia. Há os que deixam a alavanca intacta e contam com a teoria neurótica do tempo indefinidamente elástico no qual alguém tomará ou já tomou a decisão certa por nós. Há aqueles que se lançam heroicamente para a alavanca seguem outra forma de temporalidade neurótica na qual o "alguém" sou eu mesmo livrando-me da angústia de decidir. Em tempos de eleição só podemos nos permitir um tempo diferente para decidir.
(Christian Ingo Lenz Dunker – psicanalista do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – USO. Mente cérebro – Ano XVIII. nº213. Out.2010)
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
FICAR SENTADO TORNA A VIDA MAIS CURTA
Passar 6 horas diárias nessa posição aumenta em 37% o riso de morte - mesmo se você for saudável e praticar exercícios.
Sedentarismo faz mal à saúde. Disso todo mundo sabe. O que ninguém imaginava, e um novo estudo acaba de revelar, é que ficar 6 horas diárias sentado pode provocar efeitos permanentes. No caso, elevar o risco de morte: que fica 18%maior para os homens e 37% maior para as mulheres. "Passar muito tempo sentado, independentemente do nível de atividade física [do indivíduo], provoca consequências metabólicas importantes", dizem os autores do estudo, que foi realizado pela Sociedade Americana do Câncer e acompanhou 123 mil homens e mulheres ao longo de 13 anos. O pior é que esse risco aumenta mesmo se a pessoa estiver em forma e praticar exercícios regularmente. Motivos: depois de algumas horas sem caminhar, o organismo interrompe a produção da lipase, enzima que os músculos usam para queimar gordura. Essa gordura fica circulando no corpo, onde eleva os níveis de triglicérides e mau colesterol (LDL), aumentando o risco de doenças cardiovasculares.
Em teste feitos com ratos, a lipase caiu dramaticamente após 4 horas de inatividade - e só voltou ao normal depois de 4 horas de caminhada. Como o metabolismo dos ratos é diferente do humano, esses números não podem ser transpostos diretamente. Mas a conclusão é clara. Não adianta ir à academia de manhã ou à noite e ficar todo o resto do tempo sentado. É importante se mexer durante todo o dia. Boa desculpa para se levantar da mesa e ir bater papo com os colegas no café.
(Bruno Garattoni - Super interessante. Edição 283. out.2010)
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
cidade natal.
senhora séria e o olhar matreiro daquele senhor, me trouxeram à lembrança aquelas comedias antigas de Hollywood, onde americanos e ingleses, que se achavam o máximo, eram recebidos, em locais longínquos, por nativos espertos que se faziam de desentendidos para caçoar daquele
povo “civilizado”.
história da moeda.
aquela senhora era a menina que seu pai desentalara.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
A ARTE DE CAMINHAR
Desde a antiguidade movimentar o corpo ajuda as pessoas a pensar, tomar decisões e expressar indignação; na literatura artistas e apaixonados são andarilhos
A consciência da necessidade de praticar exercícios físicos é recente. "No começo, era o pé", diz o antropólogo Marvin Harris. O pé, não a mão. A mão nos fez humanos – mas antes de sermos humanos somos parte do reino animal, e o nosso corpo precisa atender às necessidades que os animais enfrentam, entre elas a do deslocamento. O ser humano evoluiu, tronou-se bípede, mas continuou caminhando. E passou a usar a caminhada para outros fins que não o de chegar a um lugar específico: o de buscar determinada coisa. Praticar exercícios físicos é algo relativamente recente, mesmo porque, no passado, o sedentarismo era a exceção antes que a regra; caçadores, agricultores, trabalhadores em geral jamais pensariam nisso. Mas muito cedo o ato de caminhar adquiriu um significado psicológico, simbólico. O protesto político muitas vezes se fez, e ainda se faz, sob a forma de marchas, de caminhadas; foi o caso da Marcha dos 100 Mil (1968), um dos primeiros protestos organizados no Brasil. Os filósofos gregos muitas vezes ensinavam a seus discípulos caminhando. "Levanta-se, toma teu leito e anda", diz o Evangelho (João, 5:8), ou seja, vá em busca de seu destino, de seus objetivos. E Santo Agostinho cunhou uma expressão famosa: Solvitur ambulando, caminhar resolve (os problemas, as dúvidas). Por quê?
No livro Wanderlust: a history of walking (A ânsia de vagar: uma história da caminhada), de 2000, Rebecca Solnit diz que andar permite "conhecer o mundo através do corpo", ou, nas palavras do poeta modernista Wallace Stevens (1879-1955): "Eu sou o mundo no qual caminho". Trata-se, pois, de uma experiência cognitiva, muito necessária nesses tempos em que as pessoas se deslocam, sobretudo utilizando carros, trens, aviões. Mas caminhar também envolve um processo de autoconhecimento, quando não de inspiração. "Os grandes pensamentos resultam da caminhada", diz o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), uma ideia que Raymond Inmon expressa de forma mais poética: "Os anjos sussurram para aqueles que caminham". O escritor francês Anatole France (1844-1924) faz uma comparação interessante: "É bom colecionar coisas, diz ele, mas é melhor caminhar". Porque caminhar também é uma forma de colecionar coisas: as coisas que a gente vê, as coisas que a gente pensa". Esse processo é facilitado pela renovação da paisagem, seja ela rural ou urbana, e pelo próprio automatismo do ato de caminhar. Não é de admirar, portanto, que muitos escritores tenham abordado o tema da caminhada. Foi o caso do filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), figura marcante do Iluminismo francês e precursor do romantismo – os românticos, sobretudo os alemães, eram grandes andarilhos. Em suas Confissões, disse Rousseau: "Só consigo meditar quando caminho. "Minha mente só trabalha junto com minhas pernas". À obra (publicada postumamente) que resume muito de sua biografia e de sua filosofia, Rousseau deu o título de Os devaneios do caminhante solitário (Les rêveries du promeneur solitaire). Os dez capítulos são denominados promenades (caminhadas).
Finalmente, temos um termo analisado tanto pelo poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867) como pelo escritor alemão Walter Benjamin (1892-1940). Trata-se de flâneur, que vem do verbo flâner, vagar (em português temos o galicismo flanar). O flâneur, do qual Benjamin era um exemplo, vagava por Paris, observando o que se passava a seu redor, num claro desafio à moral burguesa então vigente, que via isso como vagabundagem. Uma vagabundagem da qual resultaram, contudo, textos admiráveis. Caminhar, como diz o escritor americano contemporâneo Gary Snyder, é a grande aventura.
(Moacyr Scliar)
BOTOX DIMINUI ENXAQUECA
Cientistas do Hospital Universitário de Essen, na Alemanha, descobriram um novo campo de aplicação para a toxina botulínica. Segundo eles, o botox, como é conhecida a substância utilizada em cirurgias plásticas, reduz a quantidade de ataques de dores de cabeça em pessoas que sofrem de enxaqueca crônica. Em um estudo realizado com 1.400 pacientes que sofriam com o problema, o preparado foi invejado na nuca e nos músculos faciais. O neurologista Hans-Christoph Diener, responsável pelo estudo, comparou o efeito da toxina com o de um preparado inócuo aplicado no grupo-controle. Os resultados mostram que o placebo reduziu a quantidade de ataques de enxaqueca no decorrer do tratamento de quatro semanas – apenas a crença em uma possível cura, portanto, já atenuou as dores dos pacientes. No entanto, o botox teve um efeito claramente melhor. No decorrer de seis meses, os pacientes ficaram nove dias a mais, por mês, sem dores.
Há algum tempo, o botox vem se destacando como importante aliado no tratamento de outras doenças, como na diminuição de espasmos e posturas incorretas em determinados distúrbios de movimento. Mais testes estão sendo realizados para demonstrar o quão eficaz a substância pode ser no tratamento de enxaqueca.
(Mente e cérebro. Ano XVII. Nº209)
sábado, 7 de agosto de 2010
EDUCAÇÃO SENTIMENTAL
Maria Rita Kehl
"Eu era feliz? Não sei. Fui-o outrora, agora." (Fernando Pessoa)
Se o sonho realiza desejos, o que leva alguém a sonhar com períodos difíceis do passado? Na Interpretação dos Sonhos, Freud formula a pergunta apenas para apresentar sua conclusão: "Naqueles tempos duros eu possuía algo melhor que tudo: a juventude." Paradoxal, o desejo de juventude. Só a desejamos depois de perdê-la para sempre.
"Tenho saudade do corpo jovem", diz Caetano, no presente, ao entrevistador do documentário Uma Noite em 1967 que lhe pergunta se tem saudades da época dos Festivais da MPB. "Só sinto falta daquela alegria que vinha do corpo." Caetano é o único que confessa nostalgia. Os outros compositores, entrevistados no filme que estreou em São Paulo na semana passada, não falam com saudades dos festivais da TV Record. "Eu estava apavorado naquela final", revela Gilberto Gil. "Não sei como as câmeras captaram a imagem daquele fantasma que eu era no palco." Chico Buarque, aos 23 anos, sentia-se velho diante dos baianos por conta do smoking careta que tinha alugado para usar no palco. E Edu Lobo, o vencedor da noite, traz lembranças de uma fase angustiada: "Naquele tempo eu vivia preocupado. Não sabia se ia dar certo na carreira de compositor." A tenra idade pesa.
O filme de Ricardo Calil e Renato Terra tem sido bem recebido por quem tem hoje mais de 50 anos. Desperta saudades. E assombro: de onde surgiu aquela espantosa geração de meninos compositores? Como explicar a concentração de poetas e músicos talentosos revelados nos quatro grandes festivais, desde a Excelsior de 1965 até o primeiro da Globo, em 1968? Eles fizeram, mais que qualquer escritor, a educação sentimental da minha geração.
Pena que Uma Noite em 1967 seja um documentário tão preguiçoso. Tendo em mãos o precioso arquivo da última noite do festival daquele ano, os diretores concentraram-se em intercalar as cenas gravadas ao vivo no Teatro Paramount em São Paulo com as entrevistas atuais concedidas por músicos, organizadores e jornalistas presentes na premiação. Faltam informações sobre o evento, como, por exemplo, o nome dos outros finalistas e das outras canções concorrentes. Entre 12 selecionados, o filme concentra-se nos 5 vencedores, mais a cena completa do massacre público de Sérgio Ricardo, politicamente incorretíssimo para os padrões atuais. Não há nenhuma pesquisa sobre os festivais anteriores, sobre o Brasil da época, sobre de onde vieram os vencedores de 67. De que fontes brotaram as águas que explodiram em tamanha fervura?
Mas as imagens da época têm o mérito de revelar como estamos distantes da década de 1960. Tudo era um pouco mais pobre, mais chinfrim, muito mais improvisado e também mais vivo e espontâneo do que o que veio a seguir. A plateia que lotava o teatro além dos limites de segurança era indomável. Os aplausos e principalmente as vaias eram captados por um microfone pendurado pelo fio sobre as cabeças do público. A qualidade do som era sofrível; as canções, os arranjos e a interpretação, empolgantes. Nunca mais a televisão brasileira exibiu uma mistura tão bem-sucedida e tão inesperada de genialidade, diante da qual o espectador contemporâneo nem liga para a precariedade da técnica.
E como os corpos eram diferentes! Todos magérrimos sem nunca ter passado por uma academia. Ombros estreitos, braços finos. Magreza da idade. Quem se importava com isso? A plateia parecia estar ali para fazer política onde ainda não era proibido. Tudo era pretexto para se marcar posição. Tratava-se de apoiar com fervor a melhor " música de festival".
A vencedora Ponteio, de Edu Lobo e Capinam, trouxe a combinação perfeita para empolgar o público. "Era um, era dois, era cem": diante da multidão o violeiro deve dizer logo o que tem pra contar. Chegou seu momento. O tom desafiador, a alegoria sobre "a morte ao redor, mundo inteiro", o desejo de "ver o tempo mudado" – e mais a viola como objeto perdido, evocado pelo "quem me dera agora" do refrão: tudo fazia de Ponteio o meio ideal para promover um gozo estético e político, dentro dos limites tolerados pelo regime e pela direção da TV Record. A vitória de Ponteio parecia a realização do "dia que virá" aqui e agora, transmitida ao vivo pela tevê.
A revelação mais importante do documentário é que, na verdade, nada era tão espontâneo quanto parecia. Assim como a passeata nacionalista contra o uso da guitarra na MPB foi organizada pela própria emissora como estratégia de marketing para promover o festival, o diretor Paulo Machado de Carvalho Filho revela em entrevista que também as vaias e a radicalização da torcida nas finais foram planejados para fazer da disputa um grande acontecimento. Era uma estratégia selvagem de marketing. Nós éramos os figurantes vestidos de leões na arena romana armada pela direção artística da emissora – verdadeiros inocentes úteis da incipiente indústria do espetáculo no Brasil.
Então, a partir de 1968 a TV se profissionalizou e a Globo acabou com a farra. Como se prenunciasse o AI-5, que calou e exilou os melhores artistas, a emissora que viria a se tornar a queridinha dos militares engessou o formato, nos solenes e tediosos Festivais Internacionais da Canção. Que mesmo assim nos deram a belíssima Sabiá. Mas desconfio que Chico e Tom não precisavam do pretexto de nenhum festival para compor a mais bela canção do exílio que o País já mereceu.
O Estado de São Paulo. 17 de agosto de 2010. C2-música