segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ANTES DAS PALAVRAS
Discussões sobre os processos mentais que levam uma criança a aprender rapidamente a língua materna dividem cientistas: alguns acreditam que essa capacidade é inata, outros afirmam que é determinada por relacionamentos sociais e influências culturais.

A pediatra Ghislaine Dehaene-Lambertz, do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França, demonstrou, há alguns anos, que bebês de 3 meses já reconhecem frases simples e reagem a elas. Mesmo sem maturidade para a fala, regiões cerebrais semelhantes às dos adultos para o processamento da linguagem são ativadas nessas situações. A conclusão da pesquisadora reforça o que parece, a princípio, comprovar algo que muitos estudiosos defendem: o cérebro de crianças bem pequenas já estaria programado para o futuro desenvolvimento da linguagem. Podemos pensar, portanto, que não basta compreender a forma como um bebê age para apreender processos complexos como a aquisição da fala, é preciso considerar outros aspectos.
O linguista americano Noam chomsky foi um dos primeiros a discordar, no fim da década de 50, do que propumha o behaviorismo (do inglês behavior, comportamento). Segundo essa abordagem, para entender o funcionamento mental era necessário concentrar-se totalmente no comportamento manifesto, ou seja, nas reações apresentadas quando a pessoa era exposta a certos estímulos vindos do ambiente. A mente seria uma "caixa-preta", o que tornaria impossível compreender os processos ocorridos ali secretamente.
Essa forma de pensar dominava, na época, extensa parte das pesquisas psicológicas nos Estados Unidos. Em seu livro Verbal behavior (Comportamento verbal, lançado no Brasil em 1959, pela Cultrix), o principal represetante do behaviorismo, Burrhus Freric Skinner (1904-1990), postula que a linguagem só poderia ser estudada como sistema de reação a estímulos. Chomsky, por sua vez, sugeriu que a caixa-preta fosse aberta. Sua resenha da obra de Skinner, publicada na revista Language em 1959, impulsionou o surgimento de uma nova linha de pesquisa. A ordem era recorrer a métodos psicológicos para reconhecer o funcionamento mental. Assim, Chomsky, professor de linguística desde 1961 do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), incluiu o estudo da linguagem na área da psicologia. A pergunta de real interesse, segundo ele, seria: "De que forma a língua é processada pelo cérebro?".
Como poceria ser possível que uma criança aprendesse alemão, suaíli ou filipino em poucos meses, apenas por simples reação a estímulos, sem que seus pais tivessem de despender grande esforço dando-lhe aulas de gramática? A suposição de Chomsky é a de que, por trás de tal desempenho haveria uma espécie de processador, um "órgão da linguagem", que utilizaria regras como um programa de computador, ajudando a formar frases concretas.
CHAVE NEURAL
Assim que compreende, incoscientemente, que as orações em alemão sempre precisam de sujeito, a criança é capaz de construir  corretamente infinitas frases  como: Ich aß süß ("Eu comi doce"). Já a brasileira aprende rapidamente que não há problema em deixar o sujeito "eu" de fora: "Comi doce". Hoje estamos acostumados à ideia de que o cérebro processa informações de forma semelhante a um computador e trabalha sob determinadas normas. No final dos anos 50, essa visão era revolucionária. E Chomsky ainda acrescentou que muitas dessas regras seriam inatas: ao nascer, todo ser humano já disporia de conhecimento gramatical  abstrato. De fato, Chomsky e colegas elaboraram mais tarde uma teoria que explicava essa questão do sujeito na frase: tanto a criança alemã quanto a brasileira já "saberiam" desde o nascimento que existe algo como a posição do sujeito. Haveria, então, uma espécie de "chave neural comutadora" movida para a posição "sujeito-necessário" ou "sujeito-possível". E esse dispositivo seria inato. Com esse modelo, Chomsky conseguiu explicar por que as crianças aprendem a língua materna tão depressa; segundo suas suposições, o processo de direcionar um mecanismo preexistente para um outro lado ocorreria rapidamente.
Como nos adultos a chave já está em determinada posição - ou seja, os parâmetros da língua estão  fixos - é mais difícil para eles compreender as regras de uma língua estrangeira, enquanto para os pequenos esse processo parece bastante "natural". A linguística de Chomsky, a chamada "gramática gerativa", pode ser considerada também uma teoria sobre a aquisição da linguagem. Em resumo, ela transformou completamente grande parte da linguística, a ponto de muitos linguistas se considerarem mais cientistas naturais do que cientistas humanos, uma vez que se propõem descrever o aparelho fonador e seu funcionamento com o auxílio de modelos matemáticos e algoritmos. Além disso, linguistas que usam estritamente os preceitos de Chomsky não tratam da fala e da comunicação. Eles estudam a competência, o  conhecimento linguístico fundamental, ou seja, um objeto abstrato, que se encontra guardado nas profundezas da caixa-preta.
O psicólogo Michael Tomasello, porém, defende uma visão completamente diferente. Diretor do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária em Leipzig e codiretor do Centro de Pesquisa de Primatas em Göttingen, ambos na Alemanha, ele estuda homens e macacos. Com base na comparação entre as diferentes espécies, Tomasello desenvolveu uma teoria sobre a aquisição da linguagem pelos humanos que parte de princípios bastante diversos dos de Chomsky. Em vez de pesquisar na mente humana a competência linguística inata que nos diferencia de todos os outros seres, ele estudo o uso da língua - sua performance, tão negligenciada por Chomsky. No desempenho da língua, poderia ser encontrado o porquê de nossa espécie ser tão talentosa para línguas - e a explicação sobre como toda criança aprende a língua materna com tanta rapidez e segurança. Segundo Tomasello, o que nos distingue dos animais nesse quesito é nossa capacidade de nos colocar no lugar do outro e compreender intenções e sentimentos alheios. Desse modo, nos relacionamos de forma comunicativa: "lemos" a mente do outro e interpretamos seus desejos.
É exatamente isso que motiva uma criança a decifrar os sons estranhos que saem da boca da mãe e do pai: "O que eles querem me dizer? E o que eu posso fazer para que eles me compreendam?". Tomasello não contesta o fato de que deve haver uma estrutura básica biológica para que se possa lidar com a linguagem. Segundo ele, no entanto, a força motriz durante o aprendizado de uma língua - e sua trnasmissão para a geração seguinte - é a cultura e não a natureza: o ato comunicativo, não os genes.
Tomasello tem também uma visão diferente da de Chomsky no que concerne ao núcleo da linguagem. Enquanto o linguista do MIT vê o sistema de regras da gramática como centro, para o psicólogo de Leipzig o cerne está no conteúdo simbólico. Os homens se comunicam na medida em que trocam sinais significativos. Assim também surgiu a gramática na história da evolução - e não o contrário. A visão da maneira como a espécie humana chegou à linguagem marca também a teoria de Tomasello sobre de que forma cada criança aprende a língua materna. Diferentemente de Chomsky, ele não parte do pressuposto de que todas as pessoas são equipadas com a mesma gramática universal e que, durante o aprendizado, as criaças têm de trilhar o caminho até um conjunto concreto de regras - seja alemã, japonês ou outro qualquer. Michael Tomasello supõe que o processo de aprendizado seja muito mais simples. Segundo sua teoria, as crianças brasileiras, por exemplo, ouvem algumas vezes frases do tipo "Comi doce", reconhecem então um padrão e concluem: "Ah, então é assim que se fala!". Regras abstratas são derivadas do uso concreto da língua, e sai vencedora a construção mais eficiente para a comunicação - e, quase sempre, a mais correta gramaticalmente.
O argumento principal de Tomasello para tal teoria é o fato de que as crianças usam regras especiais; elas dizem, por exemplo, "Au-au" em vez de "Agora eu quero brincar com o cachorro de pelúcia". Tais expressões servem para a comunicação, pois agindo assim os pequenos frequentemente conseguem o que querem. Mas, na opinião de vários pesquisadores, não se encaixam no sistema de regras abstratas, que, segundo Noam Chomsky, é inato. Como se explica então que, durante a aquisição da língua, as crianças primeiro façam esse desvio po uma "não gramática"? Isso só se explica se não partirmos do pressuposto das regras inatas, diz Michael Tomaselloo, mas se considerarmos o sentido cultural da língua: a comunicação.
Quem tem razão, afinal? "Hoje ninguém mais discute que, quando tratamos da linguagem, estamos tratando também de habilidades inatas", afirma o lingúista Daniel Büring, da Universidsade da Califórnia em Los Angeles. No entanto, outras questões, como o que acontece durante o processo de aquisição da linguagem ou se foram os genes ou o ambiente que levaram nossa espécie a falar, ainda são assunto de discussão.
LÍNGUA MATERNA
Para Chomsky, as crianças têm um "órgão da linguagem", enquanto na opinião do linguista de Leipzig Michael Tomasello o que nos permite falar é o constante exercício de nos colocar no lugar do outro, compreendê-lo e interpretar seus desejos. Já para pesquisadores americanos da área de psicolinguística, como Jenny Saffran e Peter Jusczyk, o que conta é o aprendizado estatístico da língua. Segundo eles, de início o que o bebê escuta são apenas sons encadeados; o primeiro passo em direção à linguagem é isolá-los em palavras e depois lhes conferir sentidos. Atualmente estão em curso vários experimentos científicos para investigar a aquisição da linguagem cujo objetivo é verificar a predisposição de bebês para reconhecer a voz materna. Para isso, a criança é exposta a gravações de vozes em várias línguas.
(Mente Cérebro. Ano XVIII. nº214)

EM BUSCA DE UM JEITO DELICADO DE DAR NOTÍCIAS DIFÍCEIS
Diagnósticos complicados e a morte de pacientes, infelizmente, são temas recorrentes na rotina do profissionais da saúde. Muitos sofrem com isso e alguns chegam a ter problemas emocionais quando o tratamento que propõem não produz resultados. Mas qual é a melhor maneira de informar um diagnóstico grave ao paciente e à família sem causar pânico? Esse é o dilema que muitos profissionais enfrentam no dia a dia. Para ajudá-los, o Instituto Nacional de Câncer (Inca), em parceria com o Hospital Albert Einstein, reuniu depoimentos de vários profissioanis da saúde e produziu o livro Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde, organizado por Priscila Magalhães, coordenadora de Política de Humanização do Inca. Os profissionais narram situações delicadas por que passaram no contato com familiares e pacientes com câncer e como conseguiram superá-las. Com tiragem de 10 mil exemplares, o livro será distribuído gratuitamente, a partir de novembro, na rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS). Para baixar da internet acesse: http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/comunicando_noticias_dificeis.pdf
(Mente Cérebro - ano XVIII. nº 214)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

NÃO LEU, O PAU COMEU!
É hora de reconduzir os alunos e o público a dietas de leitura mais saudáveis

  O recente Acordo Ortográfico parece um texto amoroso escrito por ginecologistas. Um sexólogo pode orientar os clientes, jamais substituí-los!
  Leitores podem ser botânicos ou jardineiros das palavras! Mas serão sobretudo aqueles a quem oferecemos rosas, às vezes com espinhos, não por pressa, mas necessidade. Muitos são autores! Por que não os respeitamos? Que se pode fazer para escrever melhor?
  A questão é envolvida por sutilezas complexas, mas em resumo o ato de escrever semelha ao de falar. Foi ouvindo que aprendemos a falar.    Uma vez alfabetizados, foi lendo que aprendemos a escrever. Quem lê, escreve melhor.
  Dizer e escrever, embora atos assemelhados, guardam complexas diferenças. Se você falar sozinho, será dado por louco. Mas, quem escreve um diário, não faz colóquio, faz solilóquio. Quem escreve usa outra voz, mas fala!
  Gosto da metáfora nos comentários que aludem a autores e livros: "Fulano diz isso no livro tal". O leitor afirma que o autor diz algo, mas ele não falou, escreveu!
  Não é desejável que um jornalista, ainda que competente, escreva como Euclides da Cunha. Mas é imprescindível que o leia! Os Sertões tornou-se clássico, mas antes de Luís de Camões, Antônio Vieira, Machado de Assis, Castro Alves, Graciliano Ramos, Cecília Meireles e outras referências solares da escrita. É hora de reconduzir alunos e público a dietas de leitrua saudáveis.
  Para redigir no dia-a-dia, o uso da língua escrita é um; para literatura, é outro. Todavia, escreve melhor quem tem qualidade de leitura compatível com o ofício que pratica, com uma exceção: os especialistas estão ficando ignorantes por evitarem obras fundamentais. Marx, para se fazer entender, usa com frequência citações literárias. Que economista faz isso hoje? E ele explicava O Capital, não a inflação ou a taxa de juros do mês! Sócrates e Jesus falavam e ensinavam a ignorantes e sábios. Os temas eram complexos, falavam de filosofia e teologia, e todos os entendiam, de pescadores a doutores da Lei.
  Há muitas receitas de como escrever melhor. Poucas indicam a simples e eficiente: ler! alguns são cínicos. Receitam medicamentos que não tomam! e validam qualquer texto! Professores que assim procedem, traem o aluno! O que não ensinam, a vida cobrará dele!
  Há muitas oficinas de literatura! Precisamos de outras tantas de leitura!
(Deonísio da Silva. Mente e Cérebro. Ano 5 nº 63. jan.2011)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

ENTRE PITADAS E PILADAS
Países têm DNA culinário, os buquês de especiarias: ras-el-hanout, no Marrocos; ervas da Provença, na França; recado rojo, no México, o Paladar reuniu dez misturas famosas e fáceis de fazer. Mas se preferir, crie você a sua


As misturas de especiarias fazem mais que conferir sabor aos pratos. Elas são parte indissociável da identidade culinária de um povo. Seus aromas e sabores caracterizam estilos e tradições gastronômicas.

O ensopado indiano não existe sem o curry ou as masalas. E não há cuscuz capaz de conferir sotaque marroquino ao cordeiro preparado sem uma generosa porção de ras-el-hanout. Nem alma na comida mexicana feita sem o recado rojo.

“É a mistura de temperos mais popular do México. Recado rojo está para os mexicanos como as masalas estão para os indianos. É usado em inúmeros pratos”, diz a cozinheira mexicana Lourdes Hernández Fuentes.

Nesta edição, o Paladar embarca em um a viagem ao redor do mundo em busca das combinações de especiarias, ervas e temperos que são a cara de algum lugar. Selecionamos dez clássicos, entre América, Europa, África e Ásia, que você pode reproduzir em casa.

Quer um gostinho do Oriente Médio? Combine sumagre, gergelim e tomilho. Eles são a base do zahtar, um tempero clássico da região, Churrasco texano? Tempere a carne com barbecue spice mix.

Quando o assunto é tempero, você vai ver que a companhia faz toda a diferença. Pense no cominho, por exemplo – aromático, ligeiramente picante com um toque de amargor. Ele assume seu lado cajun combinado com páprica, chiles e sementes de coentro. Mas vira mexicano ao lado de pimenta-da-jamaica, urucum, cravo e suco de laranja. Dependendo dos parceiros, ele se torna marroquino, etíope ou indiano. A pimenta-do-reino preta também integra temperos típicos de diferentes lugares. Noz-moscada é outra presença constante.

Nem roda combinação de temperos deve ser empregada da mesma forma. A maioria é usada em marinadas e no início do cozimento, mas algumas, entre elas as ervas da Provença e as cinco especiarias chinesas, também servem para finalizar pratos.

“O ras-el-hanout deve ser empregado no início do cozimento para que os sabores de cada especiaria penetrem nos ingredientes”, ensina o cozinheiro marroquino Mahammed El Mehdi Annassiq.

As prateleiras dos supermercados estão repletas de curry, zahtar, barbecue spice mix e muitos outros condimentos prontos. Mas o Paladar desafia você a fazer sua própria mistura.

É fácil, divertido e com vantagem de você poder fazer pequenas modificações nas receitas para adaptá-las ao seu gosto. O berberé está suave? Aumente a pimenta. Gosta muito de coentro? Aumente a dose na hora de preparar seu garam masala.

No mundo, todo as receitas variam de região para região, de família para família. “Na Índia existem inúmeras misturas. Uma lembra a outra, mas no final, todas elas têm uma versão diferente, porque são feitas por pessoas diferentes”, diz Nelo Linguanotto, proprietário da Bombay Herbs & Spices.

Faça como os indianos, etíopes, franceses e chineses: escolha a receita, prepare o almofariz e divirta-se entre as pitadas e as piladas.

CAJUN SPICE MIX
• Origem – Estados Unidos
• Como fazer – moa e misture bem ¼ de xícara de Chile em pó; ¼ de xícara de páprica/ 1/3 xícara de sal; 1 colher (sopa) de pimenta-do-reino preta; 1 colher (sopa) de manjericão desidratado; 1 colher (sopa) de cebola em pó; 1 colher (sopa) de coentro em grão; ½ colher (chá) de pimenta caiena; 2 colheres (chá) de tomilho seco; ¼ de colher (chá) de cominho e ¼ de colher (chá) de pimenta-do-reino branca.
• Use em – carnes assadas (porco, vaca e frango), sopas, molhos e massas.
RECADO ROJO
• Origem – México
• Como fazer – moa 9 cabeças de alho; 1 pauzinho de canela; 12 pimentas-da-jamaica; 9 colheres (sopa) de urucum; 1 colher (chá) de cominho; ½ colher (chá) de cravo; 50g de chile seco. Acrescente suco de 1 laranja azeda (pode ser substituída por suco de laranja-pera e suco de limão em partes iguais) e sal a gosto.
• Use em – carnes assadas, sopas e para marinar peixes de sabor potente, como a garoupa.
ZAHTAR
• Origem – Oriente médio
• Como fazer – toste 4 colheres (sopa) de gergelim e misture com 2 colheres (sopa) de sumagre e 2 colheres (sopa) de tomilho seco.
• Use em – marinadas, carnes e no topo de pães.
PUDDING SPICE MIX
• Origem – Inglaterra
• Como fazer – moa e misture bem 2 colheres (sopa) de pimenta-da-jamaica; 2 pauzinhos de canela; 2 colheres (chá) de cravo; 2 colheres (chá) de noz-moscada ralada; 2 colheres (chá) de gengibre moído; 1 colher (chá) de sementes de cardamomo; 1 colher (chá) de coentro em grão
• Use em – bolos, pudins, biscoitos e pães.
BERBERÉ
• Origem – Etiópia
Como fazer – em uma frigideira toste levemente 2 colheres (chá) de sementes de cominho; 4 cravos; ¾ de colher (chá) de semente de cardamomo; ½ colher (chá) de pimenta-do-reino em grãos; 1 colher (chá) de feno-grego. Deixe esfriar e moa junto com ½ colher (chá) de semente de coentro; 8 chiles pequenos e secos; ½ colher (chá) de gengibre ralado; ¼ de colher (chá) de sal; 2 e ½ colheres (chá) de páprica; ¼ de colher (chá) de pimenta-da-jamaica; 1/8 de colher (chá) de canela moída e 1/8 de colher (chá) de cravo.
• Usar em – vegetais, frango ensopado e arroz.
CINCO ESPECIARIAS CHINESAS
• Origem – China
• Como fazer – triture e misture bem 1 colher (chá) de pimenta sichuan; 1 colher (chá) de anis-estrelado; ¼ de colher (chá) de semente de erva-doce; ½ colher (chá) de cravo; ½ colher (chá) de canela moída; ½ colher (chá) de sal; ¼ de colher (chá) de pimenta-do-reino.
• Use em – carnes gordurosas como porco e pato. Também vai bem em vegetais e frutos do mar.
BARBECUE SPICE MIX
• Origem – Estados Unidos
• Como fazer – pite 1 colher (chá) de semente de coentro; ½ colher (chá) de pimenta-do-reino preta em grãos e misture com 2 colheres (sopa) de páprica; ½ colher (chá) de garam marsala; 1 colher (sopa) de mostarda; 1 colher (sopa) de chile em pó; 1 colher (chá) de açúcar mascavo e ½ colher (chá) de tomilho seco.
• Usar em: carnes e peixes assados – especialmente quando preparados na churrasqueira.
RAS-EL-HANOUT
• Origem – Marrocos
• Como fazer – rale 2 nozes-moscadas inteiras e moa com 5 botões de rosa seca; 6 paus de canela; 2 colheres (sopa) de cominho; 12 pimentas da Jamaica; 6 lâminas de macis; 4 colheres (sopa) de cúrcuma; 1 colher (sopa) de semente de anis; 2 colheres (sopa) de pimenta caiena; 1 colher (sopa) de pimenta-do-reino branca; ½ colher (chá) de lavanda; 2 colheres (sopa) de pedaços de genibre; 1 pedaço de galanga; 3 cravos e 10 sementes de cardamomo. Peneire.
• Use em- peixes, frango, cordeiro e legumes. Para peixes, acrescente à mistura mais ervas secas e um cítrico, como casca de limão. Se for usar em carne de frango ou carneiro, faça uma mistura mais adocicada (com um pouco mais de canela e pimenta-da-jamaica).
GARAM MASALA
• Origem- Índia
• Como fazer – ponha numa frigideira e mexa para tostar levemente em fogo médio, tomando cuidado para não queimar 2 colheres (sopa) de cominho; 2 colheres (sopa) de semente de coentro; 2 colheres (sopa) de semente de cardamomo; 2 colheres (sopa) de pimenta-do-reino preta; 1 rama de canela em pedaços; 1 colher (chá) de noz-moscada ralada e ½ colher (chá) de açafrão.Espere esfriar e moa. Acrescente a noz-moscada e o açafrão.
• Use em – ensopados de carne de vaca e frando e pakoras (empanados) de legumes.
ERVAS DA PROVENÇA
• Origem – França
• Como fazer – misture partes iguais de orégano, manjericão, segurelha, tomilho, alecrim e manjerona desidratados.
• Use em – legumes assados, pizzas, omeletes e ensopados.
GROSSO OU FINO? Para cozimento lento, prefira as sementes inteiras e as especiarias moídas grosseiramente. Ervas e sementes finamente moídas liberam logo o aroma e o sabor e são ideais para cozimento rápido. Para picles e conservas use especiarias inteiras. Misturas moídas turvam o líquido da conserva.
CHOQUE FRIO – resfrie as especiarias e o almofariz antes de pilar. Ervas e sementes moídas no pilão, ou em moedor elétrico, acabam recebendo calor e liberando mais rapidamente os aromas e sabores. Moedor de café também funciona para sementes secas (pimenta-do-reino, cravo)

 
AÇÚCAR MASCAVO
                                                                                           ALHO


CANELAAÇAFRÃO       CARDAMOMO    CEBOLA DESIDRATADA
                                     CHILE    COENTRO   COMINHO 

 CRAVO DA ÍNDIA  CÚRCUMA  ENDRO

 FENO GREGO   PIMENTA MALAGUETA  GENGIBRE
 
 KUMMEL   MOSTARDA AMARELA  NOZ MOSCADA

 ORÉGANO  PÁPRICA  PIMENTA DA JAMAICA
 SEGURELHA   SEMENTE DE PAPOULA  SUMAGRE
(Paladar - O Estado de S.Paulo. 10/02/2011)

 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

SIMBÓLICA COINCIDÊNCIA 
Como personagem ou escritor Ivan Illich estimulou o debate acerca do poder médico

O escritor russo Leon Tolstoi (1828-1910), cujo centenário foi recentemente lembrado, deixou uma notável obra (que inclui os clássicos Ana Karenina e Guerra e Paz) e a lembrança de uma figura lendária. O autor era de família nobre e rica; mas, depois de uma juventude boêmia, mudou de vida, rejeitou a riqueza, o poder do Estado, a religião; tornou-se pacifista, vestia-se como camponês e criou várias escolas para crianças pobres. E era contestador. Disso dá testemunho A morte de Ivan Illich (1886), que muitos críticos consideram a melhor novela já escrita. Em uma centena de páginas é narrada uma hisória curta e dilacerante, capaz de comover o mais indiferente dos leitores. O protagonista Ivan Illich, um arrogante juiz, adoece aos 45 anos de grave enfermidade que desencadeia um verdadiero calvário. Descobre que não pode contar com o apoio dos amigos, da família, dos médicos. Uma das cenas mais pungentes é aquela em que consulta um famoso profissional que o trata com a mesma impaciência e o mesmo autoritarismo que caracterizavam a atuação do próprio Ivan Illich no tribunal:
"Colocou o dinheiro da consulta sobre a mesa e perguntou:
-Nós, os doentes, sem dúvida muitas vezes fazemos perguntas inadequadas. Mas diga-me, de modo geral, estes sintomas lhe parecem graves ou não?
O médico olhou-o severamente por cima dos óculos, como se dissesse: 'Pedimos ao réu que se atenha a responder o que lhe foi perguntado ou serei obrigado a fazer com que o retirem da sala'.
-Eu já lhe disse tudo o que julgava necessário. Os exames devem dar mais detalhes.
E mostrou-lhe a porta".
Agora vejam a coincidência: em 1926, 40 anos depois da publicação da novela, nascia, em Viena, alguém que viria a escrever livros famosos. Ivan Illich - seria o nome uma homenagem ao personagem de Tolstói? Não. Mais provavelmente evocava o pai, o croata Ivan Peter Illich. A mãe era judia, o que o obrigou a fugir do nazismo. Foi para a Itália, estudou ciências naturais e física, mas optou pela filosofia e pela teologia, ordenando-se sacerdote. Mudou-se para os Estados Unidos, depois para Porto Rico e acabou radicando-se em Cuernavaca, no México, onde fundou o Centro Internacional de Documentação (Cidoc), um polo da teologia de libertação, reprovado inclusive pela Igreja, o que faz Illich abandonar o sacerdócio. Tornou-se conhecido por obras polêmicas como Sociedade sem escolas (1971), na qual reprova o sistema educacional e defende a autoaprendizagem, e, principalmente, Nêmese médica (1976). O nome alude à deusa grega da vingança, aquela que pune os culpados da húbris, ou seja, da arrogância diante dos deuses. Esse pecado, segundo Illich, é cometido pela medicina, que, por meio da medicalização, se apossa da vida das pessoas, controlando-as por meio da tecnologia e dos medicamentos. É uma espécie de iatrogenia ( do grego iatros, médico), ou seja, doenças resultantes da própria medicina, que, neste caso, ultrapassa os limites do caso clínico, individual, para envolver a sociedade. "O estabelecimento médico tornou-se uma ameaça maior à saúde", diz a frase inicial da obra. Não era mera retórica; Ivan Illich acreditava em suas próprias ideias; tanto que, quando adoecedu de câncer que viria a matá-lo, recusou o tratamento convencional e preferiu cuidar de si próprio, até sua morte, em 2002. Tais posições, que podem parecer exageradas, tiveram o mérito de estimular o debate sobre o poder médico. Provavelmente o Ivan Illich de Tolstoi se mostraria muito grato ao Ivan Illich polemista.
(Moacyr Scliar)


VOZ  DOCE  TRANSMITE  EMPATIA
O modo de falar de cada pessoa tem musicalidade, e essa variação de tom e ritmo, conhecida como prosódia, transmite emoções. Um estudo realizado por cientistas da Universidade do Sul da Califórnia sugere que pessoas com modo de falar mais doce e melodioso estão predispostas à empatia. Por meio de exames de ressonância magnética funcional, os pesquisadores mediram a atividade cerebral de voluntários enquanto falavam ou ouviam vozes com entonações de felicidade, tristeza, interrogação ou neutralidade. Assim, descobriram que a área de Broca, que funciona como centro da fala no cérebro, era ativada quando o voluntário ouvia ou falava algo com entonação animada. Participantes com nível mais alto de atividade nessas áreas apresentavam maior empatia.
Ao contrário do que ocorre com a gramática, a semântica e outras propriedades do idioma, a prosódia é universal entre as culturas e espécies. "Animais de estimação, por exemplo, entendem comandos pela entonação da voz, não pelas palavras em si", observa a neurocientista Liza Aziz-Zadeh, principal autora do estudo. A pesquisadora explica ainda que a prosódia é essencial para a comunicação social.
(Mente e Cérebro - Ano XVIII nº217)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A LISBOA DE PESSOA

 Em 1925, o poeta Fernando Pessoa escreveu um roteiro turístico por Lisboa, um passeio imaginário pelos principais museus, monumentos e ruas da capital portuguesa. Em Lisboa: O que o turista Deve Ver, ele dá detalhes, dicas e conta parte da história de sua cidade natal. Mais de oito décadas depois, o texto do escritor português continua atual e serve de guia a quem quer conhecer essa cidade cheia de poesia.
Imagine viajar por Lisboa acompanhado de uma pessoa que a conheça bem. Agora imagine conhecer Lisboa tendo como guia o poeta Fernando Pessoa. Impossível? Nem tanto, pois, apesar de ser reconhecido por sua poesia, em 1925, ele escreveu um roteiro turístico de sua cidade natal, com a intenção de divulgar ao mundo o que a capital portuguesa tinha (e tem) de mais interessante. Aliás, fez questão de escrevê-lo em inglês, com o título Lisbon:What the Tourist Should See, ou, em português, Lisboa: O Que o Turista Deve Ver.
 No entanto, há uma grande ironia no fato de Fernando Pessoa ter escrito um roteiro de viagem. O poeta não gostava de viajar. Viajou muito pouco, salvo algumas idas e vindas a cidades vizinhas e em situações em que foi obrigado, como no período em que viveu com a família em Durban, na África do Sul. Por outro lado, o fato de não viajar fez o escritor português manter uma relação muito íntima com sua própria cidade, em que foi descrita por ele de forma bastante poética em obras como O Livro do Desassossego, um de seus textos mais lido em todo o mundo.
 Parte dessa identidade com Lisboa se deu nos longos passeios para várias empresas da região da capital conhecida como Baixa Pombalina. Da mesma forma, sua vida pessoal estava ligada a essas andanças, pois viveu em várias casas e apartamentos do centro e costumava se reunir com os amigos em saraus e em longas conversas em bares e restaurantes da Baixa. No entanto, para ressaltar a modernidade de Lisboa, Pessoa vai de um lugar a outro de automóvel e o leitor de seu guia é levado rapidamente aos pontos mais interessantes da cidade, como o Castelo de São Jorge, o Mosteiro dos Jerônimos e a Torre de Belém, ambos locais que ainda atraem milhares de turistas todos os anos.
NA ROTA
A viagem de Pessoa começa no mar. Descreve a cidade a partir de uma embarcação que vem pela foz do Rio Tejo e desembarca no Cais da Rocha, que ainda é um importante ponto de chegada de cruzeiros marítimos, embora atualmente a maioria dos turistas chegue de avião. "Para o viajante que chega por mar, Lisboa, vista assim de longe, ergue-se como uma bela visão de sonho, sobressaindo contra o azul vivo do céu, que o sol anima. E as cúpulas, os monumentos, o velho castelo elevam-se acima das casas, como arautos distantes deste delicioso lugar, desta abençoada região", diz logo nos primeiros parágrafos.
Em terra firme, segue para a região central, passando pela Câmara Municipal, "notável não só pelo seu exterior como também por seu interior", dirige-se ao Terreiro do Paço e prossegue pelas ruas principais da Baixa. No Paço, também conhecido como Praça do Comércio, dá detalhes de seus grandes arcos e da estátua equestre do rei Dom José 1º, "fundida em Portugal, em uma só peça, em 1774", e que ainda hoje se impõe no cenário de um dos locais mais representativos da história da cidade.
É também onde fica o Café Martinho da Arcada, muito frequentado por Pessoa e que ainda guarda  uma mesa com seus objetos pessoais, convertendo-se em um ponto de peregrinação de apaixonados pela vida e obra do poeta. Mais à frente, outras duas praças, a do Rossio e a da Figueira, também são muito reverenciadas por Pessoa. A primeira foi chamada por ele de"o coração de Lisboa", e ambas faziam parte do caminho que realizava todos os dias para visitar seus clientes e amigos.
A viagem segue pela Praça dos Restauradores, pela Avenida Liberdade e chega à Praça Marquês de Pombal, também conhecida pelos lisboetas como rotunda. "Foi este o local escolhido para erigir o monumento ao grande estadista postuguês", diz Pessoa, deixando claro que o monumento ainda não estava pronto quando escrevia seu roteiro.Foi inaugurada em 1934, um ano antes da morte do poeta. Hoje, quem passa por lá vê a figura do marquês, com um leão aos pés, símbolo de poder, numa praça movimentada e que dá acesso a vários bairros da capital.
Pessoa escolhe seguir pela Avenida da República e vai à Praça de Touros do Campo Pequeno, "que data de 1892 e foi construída em tijolo no estilo árabe", usando as palavras do próprio escritor. Hoje, mais modernizada interiormente, recebe espetáculos internacionais de música, além - é claro - de touradas (sim, os portugueses também têm tradição de touradas).
BAIRROS LITERÁRIOS
Com seu carro veloz, o poeta passeia pelo parque do Campo Grande e retorna ao centro da cidade, dessa vez adentrando-o pelo bairro da Mouraria de de Alfama, os mais antigos de Lisboa. É ali que se encontra, por exemplo, o Castelo de São Jorge, que remonta ao próprio nascimento da cidade. Guarda vestígios dos romanos, que dominaram a região por volta do século 2a.C., e dos árabes, que invadiram a região no século 8 e só saíram no século 12, período presente em suas torres e colunas de pedra, que se impõem entre as colinas lisboetas. "Assaz notável", sintetizou Pessoa.
O curioso é que, na época que escreveu seu guia, o castelo era ocupado por militares e não gozava de tanto prestígio como atrativo turístico. "Pode-se visitar pedindo autorização ao oficial de dia dos quartéis", informa o poeta. Hoje, é um dos locais mais visitados da capital portuguesa.
De Alfama, dirige-se a outra região representativa em sua vida, o Chiado. É considerado por muitos como o bairro mais literário de Lisboa, pois nele ficam a Livraria Bertrand, fundada em 1732; a Rua Almeida de Garrett, homenagem ao poeta; a Praça Luís de Camões e a estátua de Eça de Queiroz.É também onde está localizado o Café Brasileira, que tinha Pessoa como frequentador assíduo. em homenagem ao poeta, há uma estátua na calçada, local sempre cheio de turistas que fazem fotos ao lado do ilustre escritor em bronze.
Mais adiante, Pessoa destaca também o Teatro Nacional São Carlos, ianugurado em 1793, o Largo do Carmo e o Miradouro de Alcântara, onde se tem uma das mais belas vistas de Lisboa. Embora ele não mencione, é bom lembrar que ali  no Chiado fica a casa onde nasceu, em 13 de junho de 1988, bem no largo do Teatro São Carlos, númeo 4.
LISBOA DOS NAVEGADORES
Depois de passar pelo Chiado, segue rumo ao Aqueduto de Águas Livres, uma das mais impressionantes construções da engenharia lusitana. Começou a ser erguido em 1732 com o intuito de abastecer Lisboa - apesar de ter o Rio Tejo à sua frente, a cidade tinha sérios problemas de abastecimento de água, pois, pela forte influência do mar, ela se tornava imprópria para o consumo.
Outra curiosidade apontada pelo poeta e que dificilmente estaria num guia de turismo é o fato de o aqueduto ter permanecido fechado temporariamente por nele ter ocorrido um alto índice de suicídios e de assaltos. Não dá para entender se com essa informação ele pretendia atrair mais turistas para o local.
Do aqueduto, ele segue para a região de Belém, onde estão os mais importantes monumentos referentes à Era das Navegações. Claro, não se pode deixar de lado o Museu dos Coches e o Palácio Nacional da Ajuda, que estão próximos e valem a visita. Ele também não poupa elogios à Torre de Belém, uma fortificação erguida em 1521 e que se tornou símbolo da expansão marítima de Portugal, tanto por sua história ligada às navegações, quanto por seu primor arquitetônico. Vale lembrar que foi dali que partiram as naus que desembarcaram aqui para nos "descobrir".
Pessoa destaca ainda o Mosteiro dos Jerônimos, também construído no século 16 e uma das obras mais importantes de Lisboa. "Uma visita aos Jerônimos tem, necessariamente, de ser demorada para ser uma verdadeira visita", ressalta.
Outro destaque do mosteiros é o fato de ali estarem enterrados Luís de Camões e o navegador Vasco da Gama. Os restos mortais do próprio Pessoa também forma depositados ali depois de ele falecer, em 1935, dez anos depois de escrever seu roteiro.
Da região de Belém, retorna de carro para a Baixa, onde seu turista imaginário descansa para curtir a noite na cidade. Em seu guia, Pessoa ainda menciona alguns locais que merecem a visita no outro dia, como o zoológico e o Palácio da Fronteira.
Ao final, descreve todo o trajeto para se chegar à cidade vizinha de Sintra, hoje Patrimônio da Humanidade. No entanto, não fala uma palavra sobre a cidade , na qual, provavelmente, nunca esteve. Afinal, o poeta não gostava de viajar. Imagine se gostasse.   
(João Correia Filho -Planeta - ano 39. edição 461.fev.2011)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

LEITURA ALÉM DA LÍNGUA
Muitos elementos constituem a possibilidade de leitura de um bom texto
Marcela Franco Fossey - Doutora de Linguística na Unicamp

Em geral, quando lemos um texto, duas coisas podem acontecer: não entendemos o que ele "quis dizer" ou entendemos - e nesse caso, constumamos creditar o entendimento ao nosso conhecimento da língua.
Nas linhas a seguir, nosso objetivo é questionar a concepção de leitura como sendo um processo de decodificação de significados contidos na língua, e mostrar que os textos se constituem de muitos outros elementos. Para ler adequadamente um texto, é preciso mais do que apenas saber português (ou inglês, ou alemão, ou chinês...). Significa dizer que o texto é composto de muitos ingredientes que constituem os sentidos que ele "suporta": além da língua, modos de circulação, suporte material, configuração cultural, autores, leitores. Tais ingredientes não são acessórios ou secundários, mas centrais para a compreensão do que lemos no nosso dia a dia. Há, enfim, um quadro interativo que precisamos levar em conta - o que, na verdade, já fazemos de naneira incosciente - no momento da leitura.
Depósito - As diversas teorias do texto e do discurso propõem conceitos que nos ajudam a lidar com esse quadro interativo. Conceitos como o de enunciação, dialogismo, intextualidade, interdiscursividade, só para citar alguns, são centrais nesta abordagem que privilegia o caráter predominantemente aberto dos textos.
Parece importante ressaltar, porém, que defender que os textos não são uma espécie de depósito de um único significado, que estaria contido apenas na sua materialidade linguística, não significa defender, implicitamente, que todas as leituras são válidas ou um texto não "tem" sentido. Se há quem acredite que o bom leitor é o que consegue resgatar o sentido de um texto (que estaria depositado nele), no outro extremo há os que delegam aos leitores todo o processo de significação (como se não houvesse nenhum sentido "no" texto). No entanto, a materialidade textual, em todas as suas dimensões, como todos os seus ingredientes, impõe limites às interpretações possíveis. Assim, se para um livro, um poema, um desenho animado não há uma única leitura possível, também não podemos supor que existem milhares de possibilidade de leitura.
Sentidos veiculados - Aqui propomos algo que fica  de certa forma no meio do caminho: o sentido de um texto não está nem só na língua, nem só nos leitores - e nem na intenção de seu autor. Os sentidos veiculados por um texto emergem da língua e dos leitores, e também da sua organização textual, dos seus modos de circulação, etc.
Trabalharemos com a noção de "cena de enunciação", tal como proposta por Dominique Maingueneau em Análise de Textos de Comunicação (1998, tradução de Cecília P. De Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo: Editora Cortez, 2004) e Cenas de Enunciação (Curitiba: Criar Edições, 2006). Trata-se de uma proposta de tratamento dos textos que, em boa medida, dá conta de explicitar muitos dos processos envolvidos no momento da leitura. Vejamos com mais cuidado do que se trata.
Quando temos um texto nas mãos, devemos ser capazes de identificar a qual tipo de discurso ele está associado. Se recebemos um panfleto na rua, sabemos  dizer se se trata de um panfleto religioso, político, publicitário, etc. Ao definir também como somos interpelados diante desse material: como uma pessoa religiosa, um cidadão, um consumidor. Maingueneau chama a isso de "cena englobante".
Mas, além dos tipos de discurso, os textos estão submetidos a restrições que os gêneros impõem. Fala-se, então, em "cena genérica", que diz respeito aos gêneros de discurso (reportagem, sermão, panfleto, poema...). A noção de "gênero discursivo" está em boa medida associada às condições de produção dos discursos e tal categorização apoia-se em critérios bastante heterogêneos (tipo de conteúdo, organização textual, modo de circulação, etc.).
Relações - Há uma relação de restrição entre cena englobante e genérica. Nem todos os tipos de discurso podem se materializar emm todos os gêneros: o discurso científico, por exemplo, nunca é veiculado na forma de um poema ou de uma novela. Esses são gêneros tipicamente literários. Espera-se que as "descobertas" sejam comunicadas na forma de um paper que seja publicado em uma revista especializada, ou de um abstract nos anais de um congresso, ou de uma palestra em um encontro de especialistas...
Muitos discursos se restringem a essas duas cenas. Mas há casos em que uma terceira cena pode intervir: a "cenografia". Podemos dizer que a cenografia é o lugar onde o texto se torna único. Por exemplo, a canção Bye Bye Brasil, de Robberto Monescal e Chico Buarque, feita para o filme homônimo de 1979 de Cacá Diegues, tem cenografia muito interessante, essencial para os sentidos que a música suporta: o que ouvimos é um aventureiro contando suas perambulações pelo Norte do país a sua namorada, em um orelhão publico. Assim, sua cena englobante é a das expressões artísticas/musicais, sua cena genérica é a da canção, e sua cenografia a de uma conversa em um orelhão.
Podemos concluir que a música é um diálogo em um telefone público a partir de indícios (bastante explícitos, na verdade) como os versos:
"Baby, bye!Bye" 
 Abraços na mãe e no pai 
 Eu acho que vou desligar 
 As fichas já vão terminar..."
Além disso, há uma estruturação típica de um diálogo em que só temos acesso à fala de um dos intelocutores. E o que esse interlocuotr diz são coisas típicas de um viajante, relatos esparsos de suas aventuras ou do momento específico em que ocorre a conversa.
"Pintou uma chance legal
Um lance lá na capital
Nem tem que ter ginasial"
ou
"Tem um japonês trás de mim
eu vou dar um pulo em Manaus
Aqui tá quarenta e dois graus..."
Mambembe - Outro aspecto relevante é a própria melodia, que especialmente na última estrofe fica mais acelerada, quando as últimas fichas caem. É interessante que o último verso ("O sol nunca mais vai se pôr...") acaba repentinamente, assim como uma conversa no orelhão de verdade, não há tempo para uma despedida formal.
Ademais, a música dialoga como o filme de que é tema: em linhas gerais, Bye Bye Brasil é um filme que narra as aventuras de uma trupe de atores mambembes pelo Norte e Nordeste do Brasil na década de 70, época em que estava em andamento o projeto de modernização nacional implementado pelos militares. A caravana Rolidei (de Holiday, feriado em inglês) tenta sobreviver ao processo de globalização, já que precisa disputar com as novas tecnologias que tomam o lugar das antigas formas de diversão. A música de Chico e Menescal enuncia o cenário encontrado pela trupe mambembe, mas na voz de um viajante conversando com sua namorada.
Só nos dando conta disso - de que a letra da música se faz passar por um diálogo entre namorados em um orelhão, do qual sabemos só o que um deles diz (não sabemos o que a namorada do outro lado da linha está dizendo, embora possamos supor uma bronca quando ouvimos "Oh tenha dó de mim") - é que ela faz sentido. Senão, como aceitar um texto tão "sem coesão":
"Oi coração
Não dá pra falar muito não
Espera passar o avião
Assim que o inverno passar
eu acho qye vou te buscar
Aqui tá fazendo calor
Deu pane no ventilador
Já tem fliperama em Macau
Tomei a costeira em Belém do Pará
Puseram uma usina no mar
talvez fique ruim para pescar
Meu amor..."
Diálogo - No entanto, se lemos essa música como diálogo que ela simula ser, não temos nais um texto sem nexo, sem coesão, mas uma grande sacada, típica dos grandes escritores. Assim, essa cenografia se legitima na medida em que o texto progride, ao mesmo tempo em que ela é legitimadora desses enunciados. Nas palavras de Maingueneau, "para que uma cenografia faça sentido, é preciso que esteja em harmonia não apenas com os próprios conteúdos que sustenta, mas também com a conjutura na qual intervém" (2006:125).
Esta análise nos serve para chamar a atenção para aspectos muitas vezes negligenciados quando se fala em leitura em sala de aula. Frequentemente, as práticas de leitura consideram o texto só dos pontos de vista do conteúdo. Ao encarar os textos como sendo compostos por uma "cena de enunciação", podemos perceber que há muitos outros elementos em jogo nos processos de significação. Ainda que uma "competência llinguística" seja importante, sem nos dar conta dos outros aspectos que compõem a canção analisada (o que vale para qualquer texto) - os gêneros envolvidos, um momento histórico, um filme como pano de fundo - fica complicado (para não dizer impossível!) entender adequadamente um texto.
(Língua Portugues. Ano5 nº 63 jan.2011)
Não é verdade que nosso
pensamento viva de etimologias.
Vive, antes, de pensar a atitude
 vigorosa daquilo que as palavras,
como palavras, nomeiam.
Martin Heidegger

domingo, 6 de fevereiro de 2011

CONSTRUINDO O ESTILO NO GERÚNDIO

Há orações com ideia de duração que são estilisticamente melhores do que com outras formas verbais.
John Robert Schmitz
O gerúndio é uma das construções gramaticais que tem recebido críticas ao longo do desenvolvimento do português. A primeira crítica é o uso do gerúndio em orações como “Recebeu uma caixa contendo roupa” que reflete a sintaxe do francês. De acordo com o estilista M. Rodrigues Lapa no seu lúcido Estilística da Língua Portuguesa (Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970: 163-4), alguns gramáticos condenaram o uso adjetival do gerúndio como em francês e, para se referirem ao “abuso”, cunharam o vocábulo como “endorreia” que lembra outras coisas bastante desagradáveis.
Rodrigues Lapa argumenta que a construção “Recebeu uma caixa contendo roupa” é estilisticamente melhor do que as orações: “Recebeu uma caixa que continha roupa” ou “Recebeu uma caixa com roupa dentro”. Com respeito ao referido gerúndio, o renomado especialista escreve nestes termos:
“Para que havemos pois de banir da língua este instrumento expressivo, sob a acusação de que não era usado pelos nossos tresavós e nos veio diretamente do francês?”.
Apesar das críticas, o gerúndio como modificador de substantivo continua em evidência no português contemporâneo, como atestam os exemplos: “Vende-se pé de jabuticaba produzindo”, “Motor amaciando” e o sempre presente aviso nas ruas “Homens trabalhando”. E não faltam exemplos em textos jornalísticos: “Também há estudos sugerindo que a introdução desses antidepressivos ajudou a reduzir suicídios de adultos” (“Mais critérios”, Editorial, Folha de S. Paulo, 9 de março de 2008, A.2).
Com preposição – O gerúndio que segue a preposição “em” recebeu crítica, em tempos passados, por ser considerado uma importação sintática do francês. Mas, hoje em dia, a construção em + gerúndio ocorre com bastante frequência: “Outro ramo competitivo em se tratando de recursos passados para fundações é o universitário” (“CPI com fartura”, Editorial, Folha de S. Paulo, 4 de março de 2008,A2); "Mas, não por motivo, já avisou que, em sendo candidato, não será o anti-Lula, mas o pós-Lula"(Valdo Cruz, "Pós-Lula", Folha de S. Paulo, 9 de março de 2008, A2); "...as misérias nacionais são relativamente pífias, problemas que a Justiça e a polícia, em querendo, podem enfrentar."(Carlos Heitor Cony, "Abençoado por Deus", Folha de S. Paulo, 11 de dezembro de 2007, A2).
Tais exemplos mostram que os dois usos do gerúndio, em primeiro lugar, como modificador de substantivo e, em segundo lugar, precedido da preposição "em" resistiram às críticas e hoje em dia somente os que trabalham com a história do português se lembram da polêmica que ocupou o tempo dos gramáticos e filólogos na primeira metade do século 20.
Há dois tipos de gerúndio em português: o perifrástico precedido dos verbos auxiliares: "Ele está (anda, vive, fica, vem, vai, continua) enrolando" e o não perifrástico (sem verbos auxiliares), que se subdivide em dois tipos: simples e composto, respectivamente. Vejam os exemplos retirados de obras de Machado de Assis:

"Dizendo estas palavras, estendeu-lhe a mão" (Machado de Assis, Obras Completas, Vol. II:184).
"Não tendo enviado o bilhete de Helena, meteu-o na algibeira..." (Machado de Assis, Obras Completas, Vol.I: 258).

Tipos - Não sei como o português ficaria sem o gerúndio tão magistralmente alinhavado por Euclides da Cunha num trecho que narra a heroica defesa dos jagunços durante a Guerra de Canudos. Na bela passagem euclidiana, os oito gerúndios usados captam a ação dinâmica, a "progressividade" e a movimentação estratégica dos defensores contra forças superiores:

"...ora dispersos, ora agrupados, ou desfilando em fileiras sucessivas, ou repartindo-se extremamente rarefeitos; e os rojões, rolantes pelos pendores, subindo, descendo, atacando, fugindo, baqueando trespassados de balas, muitos; malferidos, outros, em plena descida, e rolando até o meio das praças, que os acabavam a coice das armas." (Os Sertões, "A incompreensão da camapnha", São Paulo: Editora Nova Cultura, Ltda., 2002: 165).

Atualidade - Não faltam exemplos de gerúndios não perifrásticos no português escrito atual:
"Cabe aos ministros do STF reafirmar a laicidade do Estado brasileiro e, interpretando o direito em máxima positividade, manter a Lei da Biossegurança aprovada pelo Congresso" (Editorial, "A favor da ciência" Folha de S. Paulo, A2).
"Eu mesmo fiquei preocupado, pois militando no campo de saúde há 50 anos..." (Antônio Ermírio de Moraes, "Boa surpresa, por enquanto", Folha de S. Paulo, 2 de março de 2008, A2).

O gerúndio é central na sintaxe do português. Ele até se emprega no imperativo ("vai entrando", "vai-se sentando") e, quando as coisas na vida cotidiana não têm jeito, ouve-se frequentemente: "É só rindo", ou "Só vendo".
(Língua Portuguesa. Ano 5. nº 63. jan.2011)

VINICIUS DO AMOR DEMAIS

"...Resta esse constante
 esforço para caminhar
dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se
depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio
no fio da navalha
Essa terrível coragem
diante do grande medo,
e esse medo
Infantil de ter pequenas
coragens."
(O Haver, Vinicius de Moraes)

Quando compôs seu primeiro samba, em 1953, Quando Tu Passas por Mim, em parceria com Antônio Maria, Vinicius de Moraes já havia sido nomeado vice-cônsul em Los Angeles e estava de partida para Paris a fim de assumir o cargo de segundo-secretário da embaixada brasileira.
Já havia publicado cinco livros de poesia e fazia crítica de cinema e literatura em jornais e revistas quando inscreveu a peça Orfeu da Conceição no concurso de teatro do IV Centenário de São Paulo (1954). Venceu. Depois dali, começou a desenhar a cara do poeta que não cansamos de cantar. Montada em 1956, Orfeu teve cenografia de Oscar Niemeyer e música de Tom Jobim. Foi levada ao cinema por Maciel Camus e ganhou o Festival de Cannes de 1959 com Orfeu do Carnaval.
Vinicius trabalhava na embaixada do Brasil no Uruguai quando Elizeth Cardoso lançou o LP "Canção do Amor Demais", em que figuravam algumas parcerias Tom/Vinicius, entre elas Chega de Saudade, com João Gilberto ao violão.
É uma injustiça que se comete com Vinicius chamá-lo "poetinha". O Vina é poetaço, epíteto brasileiro para a palavra amor, romântico irrecuperável.
(Marcílio Godoi - Língua Portuguesa - Ano 5 nº 63. jan.2011)


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