terça-feira, 18 de dezembro de 2012

"POEMA  DE  NATAL"
 
Não são poucos os leitores que me pedem comentários a respeito do emprego do infinitivo, uma das pedras mais agudas de nossa língua. Resolvi topar a parada quando, noite dessas, enfrentando um congestionamento causado por motoristas que queriam entrar no estacionamento de um shopping, lembrei-me de alguns textos de reflexão sobre o Natal. "O Peru de Natal", de Mário de Andrade, "O que Fizeram do Natal", de Carlos Drummond de Andrade, e "Poema de Natal", de Vinicius de Moraes, foram alguns dos que me vieram à mente.
O que realmente me fez aceitar a tarefa foi o poema de Vinicius, cuja primeira estrofe é esta:
 
"Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra".
 
Não há quem nunca tenha ficado em dúvida na hora de optar entre "fazer" e "fazendo" etc. Motivado pelo aviso de que trataríamos do infinitivo, você mesmo, caro leitor, talvez tenha se perguntado por que Vinicius escreveu "lembrar" (em vez de "lembrarmos"), "ser" (em vez de "sermos") etc.
Comecemos pelo primeiro verso do poema: "Para isso fomos feitos". Note que o verbo está na voz passiva e que o sujeito (nós), portanto, é paciente, o que certamente não ocorre por acaso. Não nos fizemos, não fizemos a nós mesmos; fomos feitos.
E fomos feitos para quê? Para lembrar, ser lembrado, chorar, fazer chorar, enterrar nossos mortos...O sujeito de todas essas formas verbais é o mesmo da oração que inicia o poema. E aí está a primeira lição sobre o emprego do infinitivo: quando seu sujeito é o mesmo do verbo da oração anterior, sua flexão é desnecessária.
É bom que se diga que "desnecessária" não é sinônimo de "incorreta" ou "inadequada". A questão não é de acerto ou erro, mas de efeito. Com a flexão do infinitivo ("lembrarmos", "sermos"...), haveria ênfase no sujeito ("nós"). Sem a flexão, a ênfase se dá no processo expresso pelo verbo.
O verso inicial deixa clara a intenção do poeta. Ao pôr o verbo na passiva e, consequentemente, o sujeito como paciente, o poeta inicia um contexto em cuja sequência o que importa  são as ações, não quem as eefetiva. Para atingir esse intento, deixa intactos os infinitivos: "Fomos feitos para lembrar, para chorar e fazer chorar, para enterrar...".
O poema tem quatro estrofes, mas não vou estragar a surpresa. Leia-o. Aproveito para fazer-lhe uma sugestão: se você gosta de dar presentes natalinos e ainda não zerou a lista, a Antologia Poética de Vinicius, publicada pela Companhia das Letras, é uma boa ideia.
No próximo Natal, se seu bolso estiver recheado, sugiro-lhe a caixa de CDs de Vinicius e seus parceiros. Um dos discos da coleção é - aleluia" - a versão a laser do do memorável LP em que o "poetinha" diz alguns de seus belos textos, entre eles o "Poema de Natal", em comovente interpretação. Se já tiver zerado a lista, dê o livro (ou caixa) a você mesmo. Bom proveito" É isso.
(Inculta e Bela 4, Pasquale Cipr Neto)
 


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O DESVIO ÉTICO DO GERUNDISMO
(Luiz Costa Pereira Junior)
Há implicações éticas no vício de linguagem. O uso excessivo e desnecessário do gerúndio é conhecido como endorreia, cuja forma popular é a construção "vou estar + gerúndio", uma perífrase (locução formada por dois ou três verbos). A locução em si é legítima, quando comunica a ideia de uma ação futura que ocorrerá no momento de outra ou sequenciada. As sentenças "vou estar dormindo na hora do jogo" ou "vou estar vendo o jogo quando você estiver assistindo à novela" são adequadas ao sistema da língua, assim como em verbos que indiquem processo: "amanhã vai estar chovendo" ou ato contínuo: "vou estar trabalhando das 8h às 18h".
Aquilo a que nos acostumamos a chamar de gerundismo se dá quando não queremos comunicar essa ideia de eventos ou ações simultâneas, mas antes falar de ação pontual, em que a duração não é preocupação dominante. "Vou falar" narra algo que vai ocorrer a partir de agora. "Vou estar falando" se refere a um futuro em andamento. É inadequado usar uma forma verbal com valor de outra - falar de ação isolada, que se encerraria num só ato, como se fosse contínua. Quando respondemos ao telefone "vou estar passando o recado" fazemos o recado, que potencialmente tem tudo para ser dado, não ter mais prazo de validade. O vício aqui isenta a pessoa de responsabilidade sobre o que prometeu fazer. É antes de tudo um desvio ético.
A TENTAÇÃO DO PRECIOSISMO
Termos afetados substituem outros mais simples em ramos como Direito
O Supremo Tribunal Federal manteve o poder de investigação do Conselho Nacional de Justiça no mês passado. A decisão, que garante a atuação de um órgão que tem exposto as mazelas do judiciário brasileiro, vem na esteira de uma série de denúncias envolvendo a Magistratura. As acusações se avolumam, de decisões suspeitas de anulações de processos como endinheirados, de pagamentos e movimentações bancárias duvidosos a denúncias de nepotismo e hipervalorização de salários.
Um antigo inimigo da Justiça tem se somado a essa "proemial delatória" (denúncia), à lentidão das sentenças e à estrutura arcaica dos tribunais. É o preciosismo, o uso de um português arrevesado, palavrório de raciocínios labirínticos e expressões pedantes.
Correção de Rota
Preciosismo é a afetação, no requinte excessivo do fraseado, no uso de palavras incomuns, perífrases. Não é exclusividade do mundo do Direito. mas costuma aparecer em peças jurídicas às vezes involuntariamente engraçadas .
A adoção de uma linguagem mais coloquial pelos profissionais da advocacia tem sido dada em relação direta com a qualidade da produção do Direito e a velocidade no atendimento à população. Um vocabulário mais simples, direto e objetivo pode aproximar a sociedade da Justiça.
Jargão
Toda atividade tem seu jargão. O que é nocivo é o uso crônico de palavras ou expressões rebuscadas quando há outras que dizem o mesmo. Se a linguagem técnica tem de ser exata, não pode ser ambígua nem conotativa. Mas vocábulos rebuscados podem ser substituídos por palavras mais simples, sem prejuízo do significado.
Os defensores do juridiquês acreditam que simplificar a linguagem é uma falsa questão, pois quem mantém relações com a Justiça é o advogado, não seu cliente. Com isso, o jargão se radicaliza, até por necessidade de legitimação.
Atacar o preciosismo é, portanto, um modo de atacar a disfunção básica do sistema, do mesmo modo que medidas como a manutenção do poder de investigação do CNJ.
PRECIOSISMOS
 
                                Abroquelar (fundamentar)            
                              Cátula chéquica (folha de cheque)         
         Estipêndio funcional (salário)
                    Areólogo (tribunal)                       
                                  Consorte supérstite (viúvo-a)                     
   Fulcro (fundamento)
                       Auguer (aluguel)                         
                                           Cúspide (cume, vértice, píncaro)               
  Indigitado (réu)
                                             Avença (concórdia)                                      
                                              Ergástulo público (cadeia)                         
  Pretório (tribunal)

VÍCIOS SONOROS
Vícios sonoros são, provavelmente, os mais fáceis de identificar, pois muitas vezes "doem no ouvido", o que não significa que sejam igualmente fáceis de brecar. Evitá-los, no fundo, não passa de polidez sintática: a arte de não chamar mais atenção à forma sonora do que ao conteúdo textual do que se diz.
CACOFONIA
Do grego Kakophonia (voz ou som desagradável). Consiste na junção de duas palavras que formam outra de efeito acústico inconveniente ou desagradável:
"Não tinha ilusões acerca dela."
"Não se trata de ter fé de mais ou fé de menos, mas de ter esperança."
"Manteve uma mão livre."
COLISÃO
Do latim collisione, de collidere (bater contra), o vício da colisão consiste numa sequência desagradável de palavras formadas por constantes iguais ou semelhantes, em particular quando o autor da sentença não tenha intenção de obter efeito estilístico.
É uma aliteração involuntária e infeliz.
A colisão difere da cacofonia porque não resulta em palavra de efeito acústico invonveniente ou desagradável.
"Quer quebrar coco com a cabeça."
"Sofro sua ausência sem cessar."
"Pó-pa-tapá-taio", como pediu o gorato na farmácia do interior, tentando dizer 'pó para tapar talho."
Ele se referiu à velha sulfa usada então para curar ferimentos, corte, "talhos".
ECO
Efeito acústico em geral desagradável da repetição de fonemas iguais, como sequência de "-ãos", "-mentes" e "-menos": "Não dão explicação para a demissão do João" (Aurélio).
"Lamento seu abatimento, mas no momento não temos elementos para dar-lhe sustento."
EQUÍVOCOS EXISTENTES
 Abóboda (abóbada)                
 Rúbrica (rubrica)              
 Limpesa (limpeza)       
   Acróbata (acrobata)
 Circuíto (circuito)                  
  Cidadões (cidadãos)         
  Exijimos (exigimos)    
  Misântropo (misantropo)      
  Indentidade (identidade)       
 Mortandela (mortadela)      
Quiz (quis)                    
 Obseçao (obsessão)
 Mendingo (mendigo)            
   Puzer (puser)                      
 Perca (perda)
 
AMBIGUIDADE DESVIA A ATENÇÃO
Do latim ambiguitate (incerteza, obscuridade), é representata pela falta de clareza e a dualidade de sentido:
"Entrou no apartamento pegando fogo", como publicou no jornal em tragédia recente.
É mais apropriado supor que o apartamento é que estava em chamas e não a pessoa, mas o enunciado é ruim por não ser impossível que alguém estivesse em chamas reais ou figuradas. Mais claro: "Entrou no apartemanto que pegava fogo".
Em outro título:
"Britânico confessa assassinato da sogra durante oração".
Teria ele matado a pobre sogra que orava? Não. A polícia instalou gravador no carrto do suspeito que, em oração, pediu perdãqo a Deus por ter matado a sogra. Com clareza: "Em oração, britânico confessa ter matado a sogra."
"Peguei o ônibus correndo." Quem estava a correr?
"Luís elogiou Edgar em sua casa." Casa de quem?
(Língua Portuguesa. ano 7.nº 77 março de 2012)





terça-feira, 23 de outubro de 2012

A  GRAÇA  DO  CONTRASTE
É possível realçar situações conflitantes por meio de oximoros, a criação de harmonia entre termos contraditórios, como "estridente silêncio"
 
Em um artigo da revista Veja, aparece uma expressão, em princípio, estranha:
"Nas últimas semanas, o arcabouço que sustentava os interesses dos EUA numa região vital como o Oriente Médio simplesmente se desmanchou. O governo americano acompanhou tudo com estridente silêncio"(23/3/2011, p.65).
A construção "estridente silêncio" parece parodoxal, pois o silêncio é o contrário da estridência (= forte ruído; estrépido). No entanto, quando refletimos melhor, verificamos que nela se harmonizam termos contraditórios com a finalidade de expressar, de modo mais adequado, uma situação conflitante. Com efeito, no exemplo acima, o que se pretende dizer é que os Estados Unidos se manifestam sobre todos os acontecimentos do mundo e que, portanto, seu silêncio inabitual chamou mais a atenção do que qualquer pronunciamento.
OXIMORO - trata-se da figura de retórica denominada oximoro, em que se combinam numa mesma expressão elementos linguísticos semanticamente opostos. A palavra oximoro é formada de dois termos gregos: oxýs, que significa "agudo", "penetrante", "inteligente", "que compreende rapidamente", e "morós" que quer dizer "tolo", "estúpido", "sem inteligência". Como se vê, o vocábulo é formado de dois elementos contraditórios, o que significa que a palavra "oximoro" é um oximoro. Cabe ainda lembrar que, embora a pronúncia mais difundida seja com a tônica na antepenúltima sílaba, isto é, oxímoro, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa só reconhece as formas oximoro (paroxítona) e oximóron. Para acomodar a contradição expresssa no oximoro, o que se faz é restringir o sentido de um dos elementos de forma a poder aplicar a ele o termo antitético. No exemplo acima, silêncio deixa de significar "estado de quem se cala ou se abstém de falar" e passa a denotar uma maneira de pronunciar-se sobre alguma coisa. O oximoro tem a finalidade de apreender as aporias, os paradoxos, as incoerências de uma dada realidade. Ao provocar um estranhamento, ele torna o sentido mais profundo, mais verdadeiro, mais intenso.
DEFINIÇÃO - normalmente, essa figura é construída, expressa por um atributo, um adjunto adverbial ou um predicado, àquele que a porta, manifestado por um substantivo, um verbo ou adjetivo, um sujeito, ou estabelecendo uma relação entre duas qualidades conflitantes. No livro Barroco tropical, de José Eduardo Agualusa (Cia. das Letras, 2009), há uma personagem, o General Benigno dos Anjos Negreiros, sogro do narrador, que tem prazer na construção de oximoros. O narrador também tem o gosto do paradoxo e, por isso, essa figura aparece muitas vezes ao longo da narrativa. Vejamos alguns casos:
a) "A inteligência Militar, perdoe-me o oximoro, teve um papel relevante na derrota de nosso fraterno inimigo" (p.54): há uma contradição entre o substantivo inimigo e seu atributo fraterno; faz-se também uma ironia, ao considerar que o adjetivo militar é incompatível com o substantivo sinteligência;
b) "Repare no contraste! - gemeu Mouche. - Neste país até o futuro é arcaico." (p.60): há um conflito semântico entre o sujeito futuro e o predicado é arcaico;
c) "Tudo tão falso e tão ingenuamente autêntico - poderia escrever, para, uma vez mais, agradar ao meu sogro: "falsamente verdadeiro" - que me vieram lágrimas aos olhos de pura emoção" (p.57): o adjetivo verdadeiro é o oposto do advérbio falsamente; além disso, as qualidades expressas pelos adjetivos falso e autêntico são antitéticas. Também pode construir-se um oximoro, postulando a existência e a inexistência ao mesmo tempo: um poema de Cabral traz o título O nada que é.
CONSTRUÇÕES - essa figura serve para expressar a complexidade da realidade. Agualusa, ao descrever Benigno, diz: Benigno é, quase sempre, muito simpático. Acho-o de uma "simpatia assustadora" (p. 87). Por outro lado, quando se considera contraditória uma combinação, que une dois termos em princípio não opostos, esse pretendido oximoro serve para determinar uma visão sobre a realidade. Ainda em Agualusa encontra-se: - Conheço. Ainda hoje encontrei uma dessas lamentáveis incongruências, um político honesto - olhe, ofereço-lhe o oximoro, é para sua coleção (p.276).
Normalmente, um oximoro é construído com dois termos: "Evidente que há mérito do Coritiba (...). Tocou fácil a bola, envolveu o Palmeiras com sofisticada simplicidade, com perdão da contradição" (Antero Greco, Jogo de criança. In: O Estado de S. Paulo, 6/5/2011, E2). Entretanto, essa figura pode ser erigida em princípio de construção do texto, como acontece neste soneto de
Camões:
 
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
 
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
um nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
 
É um querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
 
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo
Amor?
 
RENÚNCIA - o poeta tenta, nos onze primeiros versos (os dos dois quartetos e os do primeiro terceto), definir o amor. Cada verso tem a estrutura de uma definição (= amor) + verbo de ligação ( = é) + conteúdo definicional.
Esse conteúdo é uma metáfora, construída primeiro com  substantivos concretos (fogo e ferida), depois com nomes abstratos (contentamento e dor), em seguida com infinitivos substantivados (um não querer, etc.), a seguir com verbos (servir e ter).  Cada uma dessas definições encerra um oximoro: por exemplo, amor é fogo que arde (=visível) sem se ver (=invisível); é um não querer (=desprendimento) mais do que bem querer (=sôfrego); é andar solitário (=isolamento) entre a gente (=acompanhado); é um nunca contentar-se (= insatisfação) de contente (=satisfação); é cuidar que ganha (= enganador) em se perder (= malogro); é um querer estar preso(=limitação) por vontade (= deliberação); é servir o vencedor (= devoção) a quem vence (=imerecida); é ter lealdade (=fidelidade) com quem nos mata (=indevida). Como uma definição não pode conter contradição, cada uma delas abandonada. No último terceto, o poeta renuncia a definir o amor e expõe sua perplexidade numa interrogação: por que os homens buscam tanto esse sentimento se ele é algo contraditório? O poema começa com a palavra "amor" e termina com ela. É como se, ao final da experiência de buscar apreender o sentido dessa paixão, o poeta concluísse: amor é amor. São os oximoros que permitem deixar patente a impossibilidade de precisar o sentimento amoroso: o poema mostra que o amor é da ordem do sentimento e não do domínio da compreensão.
Há também oximoros visuais. No site Retórica e publicidade, apresenta-se a peça publicitária da Pirelli como exemplo de oximoro. Nele unem-se os termos da oposição masculino vs. feminino, explorando os estereótipos ligados a esses universos, principalmente a força e a graça, a sofisticação e a simplicidade.
 
 
José Luiz Fiorin. Língua Portuguesa. ano 7. nº77. março de 2012

terça-feira, 5 de junho de 2012

PROJETO  "GRIFEUMLIVRO"
Páginas com grifos e destaques invadem a rede

Se o advento das redes sociais deu vazão às citações e aos aforismos literários, que caíram como uma luva na comunicação sucinta de nossa época, agora é a vez dos próprios livros ganharem literalmente destaque com o projeto "Grifeumlivro", criado pelo jornalista brasileiro Kleyson Barbosa. A idéia é estimular os internautas a compartilharem fotos com seus trechos favoritos destacados. Assim, por obra de leitores aficionados tanto em literatura quanto em mídias sociais, páginas e páginas de livros inundaram a internet, a maioria marcada pela hashtag #grifeumlivro. A onda chama a atenção para o fetiche da leitura que, mesmo em tempos de e-books, não abre mão do papel, ainda que seja digitalizado.
Língua Portuguesa. Ano 7 nº77 março 2012

UMA  VISÃO  INTERLIGADA  DO  IDIOMA

A divisão de métodos que ocorre entre o estudo da gramática e a prática da língua funcionaria melhor se todos entendessem que essas duas instâncias se complementam
Passagem de uma coluna antiga do professor Pasquale (Folha de S. Paulo, 08/01/2009, p.C2) fornece o pretexto para explicitar os diversos aspectos de uma questão que quase sempre são inadequadamente misturados. Começa citando um poema de Manuel Bandeira, que foi musicado por Dorival Caymmi e do qual se tratou em prova da Fuvest: "O rei atirou / sua filha ao mar / e disse às sererias: / --Ide-a lá buscar".
A propósito da segunda das questões formuladas (uma perguntava pelo efetio expressivo de "ide" e outra mandava substituir a segunda pessoa do plural pela terceira), faz o seguinte comentário: "Agora o bicho pega de vez, ao menos para quem teve o azar de estudar com "professores" que julgam que nas aulas de português só se deve falar da língua viva, da língua de hoje".

Aspectos - Há vários aspectos nesta passagem que merecem comentários:
a) As aspas em "professores" (que poderiam estar também em outras ocorrências da palavras, querendo);
b) O comentário "agora o bicho pega de vez", curiosamente depois da segunda questão, que supõe conhecimentos de língua de hoje, a viva; mas, especialmente,
c) A "mistura" implícita entre aulas de português e de gramática.
O professor Pasquale propõe que as respostas podem ser dadas a partir do conhecimento das formas gramaticais da língua mais "antiga".  E supõe que alunos que só tivessem estudado a língua viva teriam problemas para resolver as questões. Ele pode ter razão no que se refere à segunda tese, mas não necessariamente em sua crença na primeira.

Distinções - De fato, nada garante que o estudo das formas antigas implique capacidade de dar  conta de seu efeito expressivo. Como este efeito não é óbvio, importa distinguir:
a) Estudar gramática (do português);
b) Estudar português.
Em tese, é perfeitamente possível estudar gramática (fazer gramática, aprender como se faz gramática) sem estudar português (sem ler textos, sem explicitar efeitos de sentido diversos). Por outro lado, pode-se aprender a explicitar a relação entre o uso de uma forma e seus efeitos de sentido sem estudo sistemático de uma gramática. Pode-se fazer esse trabalho intuitivamente (o que não quer dizer sem preparo).
Por exemplo, pode-se explicar o efeito de escolhas lexicais sem estudar gramática. Ou explicar o sentido de "joelhos", palavra com que Drummond se refere aos joelhos de velhas que vão à igreja (como seriam velhas!) ou de "septentrional", que Guimarães Rosa emprega para implicar que as aves veem de muito longe. Ambas são formas arcaicas: o uso nesses contextos produz efeitos correlacionados a sua antiguidade.
Também se pode explicitar o efeito de sentido de formas inventadas, como "fluviante" e "flutual", que ocorrem em Catar feijão, de João Cabral, em vez de "fluvial" e "flutuante": "a pedra dá à frase seu grão mais vivo; obstrui a leitura fluviante, flutual  / açula a atenção, isca-a como o risco". O poema diz que pedras aguçam a atenção e faz isso pondo pedras (duas palavras que "não existem"). Para  sacar o efeito dessas diversas "pedras", não se precisa estudar gramática, basta ver e comparar as palavras. É claro, no entanto, que saber gramática adequadamente não prejudica ninguém.

Contextos - Por outro lado, estudar a gramática da conjugação verbal na escola seria mostrar, com base em dados, que, considerados diversos contextos e épocas, as formas verbais se distribuem mais ou menos em três formas, que correspondem a três colunas.

As variações  do  verbo  "ir"
As formas verbais se distribuem em mais ou menos três grupos conforme contextos e épocas

1) ESCRITA  CULTA                                     2) FALA CULTA                                              3) FALA "RURAL"
Eu vou                                                               Eu vou                                                                Eu vou
Tu vais                                                              Você vai / tu vais / tu vai                                   Você vai / tu vai
Ele/a vai                                                            Ele/a vai                                                              Ele/a vai
Nós vamos                                                        Nós vamos / A gente vai                                     Nós / A gente vai
Vós ides                                                            Vocês vão                                                            Vocês vai
Eles/as vão                                                        Eles/as vão                                                          Eles/as vai
  

1. Na primeira coluna, estão as formas verbais das quais se pode dizer, um pouco simplificadamente, que são típicas da escrita culta e de épocas mais antigos (um dos efeitos do emprego de algumas dessas formas, especialmente de "ides", é de "arcaísmo" ou de "solenidade"). A coluna mostra que há, nessa variedade da língua portuguesa, seis formas verbais, uma para cada "pessoa".
2. Na segunda coluna, estão as formas associadas, também um pouco esquematicamente, à fala culta atual. As formas são, como se pode ver, três ou quatro, e não seis. Na escrita, "a gente vai" ocorre bem menos do que "nós vamos". Na fala, é o contrário que se dá (basta ouvir conversas de bar, mesas-redondas, entrevistas, declarações no rádio ou na TV). Sim, de pessoas cultas.
3) Na terceira, estão representadas as formas verbais menos cultas, mais "rurais", talvez caipiras (em sentido técnico), que se ouvem em programas Som Brasil, e, especialmente, nas representações da fala caipira, do homem do campo (basta ver certos quadros de humor). Nesta gramática há somente duas formas verbais (parece inglês).

Misturas - Fazer gramática assim é estudar aspectos da língua como se faz, digamos, em botânica ou anatomia. Constata-se que as plantas e os tecidos são o que são e são como são, independentemente de gosto, predileção ou nojo.
Sofisticando um pouco, pode-se explicar que ocorreu na história da língua e o que está ocorrendo hoje. Por exemplo, explicam-se (em vez de apenas proibir) "misturas" como " a gente vamos", construção que se ouve muito de determinados falantes e que se encontra também nos clássicos. Se "a gente" se refere ao falante e a outra(s) pessoa(s), exatamente como "nós", isto explica a forma verbal associada a esse pronome.
Pode-se fazer gramática sem discutir efeitos de sentido. Ou discutindo, mostrando que tais efeitos têm mais a ver com "estilo" do que com gramática, embora as questões se superponham.
Não imagino que haja professor, com aspas ou sem aspas, que estude na escola a gramática das formas verbais da terceira coluna, ou mesmo da segunda. Mas seria importante que houvesse! Não para ensinar alunos a empregar tais formas, mas para mostrar aspectos de organização da língua falada em diferentes meios sociais e contextos.
Mas existem aulas em que  se papagueiam as formas da primeira coluna como se elas fossem empregadas correntemente e como se os efeitos de seu emprego fossem óbvios.
A meu ver, aqui está a questão fundamental, quando se trata de ensino: há uma divisão de tarefas - e de métodos - entre estudar gramática (os objetivos desse tipo de estudo deveriam ser claros, aliás) e a prática, que envolve várias questões, de ler textos adequada e sofiaticadamente. Ler Camões não supõe estudar explicitamente a gramática do português camoniano (com suas passivas características como "o mar que só dos feos focas se navega", por exemplo), mas supõe saber comentar tais estruturas, e, especialmente, ser capaz de fazer paráfrases adequadas. Ler Guimarães Rosa não supõe a construção  de uma gramática do "rosês", mas exige a capacidade de verificar em que medida as formas dessa interlíngua produzem os efeitos que produzem. E de explicar a peculiaridade dessa obra exatamente pela relação entre tema, ambientação e linguagem.

Prática - As relações entre gramática, de um lado, e leitura/escrita, de outro, são análogas às que existem entre botânica e paisagismo. Bons botânicos (gramáticos) em geral não são bons paisagistas (leitores, analistas). Podem dispensar essa "prática". Mas paisagistas precisam de algum conhecimento de botânica, pelo menos para decidir quais plantas podem compor jardins em quais lugares sem morrerem. Mas eles sabem que não basta que as plantas não morram...
Uma última observação: o verdadeiro arcaísmo, no último verso do poema, não é a forma verbal "ide". É a colocação do pronome "a" antes do verbo  " ir". Uma construção simplesmente padrão seria "Ide lá buscá-la", ou  "Ide buscá-la lá", que esta, qualquer um evitaria...
Sírio Possenti -Língua Portugues. Ano 7. nº 77. março 2012

segunda-feira, 9 de abril de 2012

FOTO DE ANIMAL ESTIMULA AMÍGDALA DIREITA
Um estudo com 41 pessoas com epilepsia, publicado na Nature, mostra que observar imagens de bichos ativa especialmente a amígdala do hemisfério direito do cérebro. Os voluntários tiveram várias regiões neurais monitoradas enquanto viam fotografias de artistas de cinema, eventos históricos, objetos e várias espécies de animais, cada uma exibida durante um segundo. "Os eletrodos detectaram registros elétricos de cerca de 500 neurônios em cada estrutura analisada. O padrão de atividade na amígdala muda de forma drástica diante das fotos de bichos - sejam eles pequenos mamíferos ou carnívoros de grande porte -, o que não acontece nas outras regiões", diz um dos autores da pesquisa, o neurocientista Christof Koch do Instituto Allen de Ciências do Cérebro, em Washington.
Segundo Koch, o estudo foi feito com um grupo de epiléticos porque pessoas com esse distúrbio apresentam hiperatividade em algumas regiões neurais, entre elas a amígdala,  o que facilita o estudo das reações. O pesquisador não sabe exatamente o motivo dessa resposta tão sutil, mas sugere que a causa é evolucionária, pois a amígdala é ligada à percepção de ameaças. "Foi a primeira vez que detectamos assimetria hemisférica em relação a uma estrutura cerebral específica, o que é extraordinário", observa.
(Mente e Cérebro. Ano XIX nº230)
OS  SEIS  TIPOS  DE  ANSIEDADE
1. Fobia específica - é o medo de um estímulo ou de determinada situação, como dirigir, viajar de avião, entrar na água, aproximar-se de certos animais, etc. Existe uma crença subjacente de que o objeto em si é uma ameaça: o avião pode cair ou um cão pode morder. Pouco mais de 10% das pessoas apresentam alguma  fobia, embora uma quantidade muito maior possa ter medos exagerados e irracionais deflagrados por um ou mais estímulos.
2. Transtorno do pânico - é o estado de extremo desconforto diante das próprias  reações fisiológicas e psiciológicas a um estímulo - em essência, receio de um ataque de pânico e, em última instância, o medo da morte. Quaisquer anormalidades como respiração alterada ou batimentos cardíacos acelerados, vertigens, suores ou temores são interpretados como sinais de colapso iminente, insanidade ou morte. Para fugir dessas sensações, a pessoa tende a evitar as situações que acredita poderem acionar essas reações, o que com frequência limita de maneira grave a mobilidade.
3. Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) - caracterizado por pensamentos recorrentes ou imagens (obsessões) estressantes - por exemplo, a pessoa teme ser contaminada, perder o controle em público, cometer um erro ou se comportar de maneira inadequada. Para fugir disso, tem a necessidade urgente de realizar certas ações (compulsões) que, em sua fantasia, neutralizarão esses pensamentos intrusivos: lavar-se, realizar rituais, fazer verificações constantes, etc. O transtorno, em geral, leva à depressão e afeta cerca de 3% da população.
4. Transtorno de ansiedade generalizada (TAG) - é, essencialmente, a tendência de se preocupar continuamente. Nas mais diversas situações, os pensamentos se voltam para todas as possíveis consequências negativas e as maneiras de impedi-las. A maioria das pessoas que sofre da patologia acredita que ela é um traço de sua personalidade e que o excesso de preocupação é indispensável para sua sobrevivência. O transtorno é, muitas vezes, acompanhado por sintomas físicos de estresse: insônia, tensão muscular, problemas gastrintestinais, etc. Cerca de 10% da população têm o distúrbio.
5. Transtorno de ansiedade social (TAS) ou fobia social- medo de ser julgado pelos outros, especialmente em situações sociais como reuniões de trabalho, apresentações, festas, encontros amorosos; até comer em companhia de outras pessoas ou usar banheiros públicos torna-se em suplício. Os sintomas incluem tensão extrema ou "paralisia", preocupação obsessiva com interações, tendência ao isolamento e à solidão. O transtorno é frequentemente acompanhado pelo uso de drogas e álcool. Cerca de 15% das pessoas têm esse problema, em algum grau.
6. Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) - medo excessivo causado por exposição anterior a uma ameaça ou dano. Traumas comuns são decorrentes de violência física ou sexual, acidentes e conflitos armados. As pessoas que sofrem desse transtorno frequentemente voltam a experimentar seus traumas sob a forma de pesadelos ou flashbacks e evitam situações que tragam lembranças perturbadoras. Podem exibir irritabilidade, tensão e hipervigilância. Abuso de drogas e álcool entre elas é endêmico, assim como a depressão. Aproximadamente 15% da população sofre do distúrbio.
(Mente e Cérebro. Ano XIX. nº230)

terça-feira, 3 de abril de 2012

A TENDÊNCIA  DOS  NOMES
Na evolução flutuante dos batismos, saem marias e josés, entram jessicas e washingtons
Deonísio da Silva

O nome é uma das primeiras coisas que não escolhemos na vida. Estará inscrito nos registros: na maternidade, no cartório, na certidão de batismo, no RG, no CPF, no obituário, etc. Enfim, uma escolha que não fizemos nos acompanha do berço ao túmulo, pois na lápide se dirá que ali jaz Fulano de Tal.
Até o alvorecer da República Velha, só a Igreja sabia direito onde os brasileiros nasciam, viviam e morriam, que nomes tinham, de quem descendiam, etc. Pois era ela quem os batizava, casava e enterrava. Nos nomes, predominavam homenagens a santos do dia, daí a profusão de Josés, Joões, Marias, Anas, Madalenas. Mas, como em Portugal, personagens históricos, vultos políticos, cientistas, artistas, escritores e, recentemente, jogadores de futebol, cantores e atores inspiraram pais e avós.
No século 19, houve abundância de nomes como Ubirajara, Peri, Iracema e Moema, inspirados no tupi-guarani, para ratificar nossa separação de Portugal. Mas o costume de dar nomes portugueses aos filhos continuou por décadas. E Pedro, Isabel, Amélia, etc. eram homenagens que o povo continuava a prestar à aristocracia luso-brasileira.
Contudo, eles passaram a conviver com nomes franceses, que refletiam influências e dependências. Ainda que Dom João VI tenha enganado Napoleão, pois na última hora transferiu a capital do reino para o Brasil, os nomes denunciavam uma vitória que a França derrotada impusera à Inglaterra vencedora, que protegera a Família Real na travessia. Assim, não só nos cardápios, nas vestes, nos perfumes e penteados, também nos nomes os brasileiros rendiam homenagens francesas.
Tinha havido algo semelhante séculos antes em Portugal. Nomes do hebraico, como Rafael, Daniel e Miguel, para meninos, e Rute, Sara e Raquel, para as meninas, mostravam que os derrotados impuseram derrotas no campo dos nomes. Na segunda metade do século 20, a antropologia fez com que a sociedade vivesse um refluxo indígena e voltassem Mayra, Potiguara, Paraguaçu, etc., espécie de defesa a tantas Kelly e Jessica, nos batismos femininos, e Washington, Elton e Wellington. Os nomes de esportistas a artistas estão entre aqueles que a mídia mais divulga. E foram parar nos cartórios.
Mas não nos esqueçamos da criatividade nordestina, que, ao juntar as primeiras sílabas de um nome às últimas de outro, produz um terceiro, inédito nos cartórios.
(Língua Portuguesa março2012)
"EFEITO  GOOGLE" NO CÉREBRO

A internet mudou a forma como armazenamos informações - é o que sugere artigo publicado na revista Science. Segundo a psicóloga Betsy Sparrow, autora do texto, o cérebro reconhece a rede como uma espécie de memória externa e, para economizar energia - algo que temos feito durante toda a evolução -, delega à web a tarefa de lembrar-se das coisas.
Betsy, que é professora da Universidade Colúmbia, relata quatro experimentos, cujos voluntários foram alunos da instituição. Em um deles, por exemplo, pediu que lessem notícias de diferentes conteúdos antes de realizar um texte de memória. Ela disse para alguns deles que  seria permitido checar os dados na internet e, para outros, que isso não seria possível. A psicóloga observou que o primeiro grupo teve menor índice de retenção de informações. "Parece que saber onde encontrar detalhes sobre um acontecimento elimina a necessidade de armazená-los, como se o cérebro se adaptasse às circunstâncias atuais", conclui.
(Mente e Cérebro. Ano XIX nº230 março 2012)
A rede do estresse
Pressões sofridas no trabalho podem se estender para outros ambientes e prejudicar relações sociais e afetivas

Se prazos curtos, jornada excessiva e atitudes hostis de colegas fazem parte do seu dia a dia no trabalho, é muito provável que esses fatores não afetem somente você. Segundo estudo da Universidade Baylor, no Texas, publicado no Journal of Organizational Behavior, a onda de estresse pode atingir seus amigos, parentes, parceiros amorosos e até mesmo quem trabalha com eles.
A psicóloga Merideth Ferguson entrevistou ao longo de várias semanas profissionais de diferentes áreas e as pessoas que viviam com elas. Ela observou que relatos de conflitos conjugais, por exemplo, eram mais frequentes entre os parceiros de funcionários que diziam ser tratados de forma indelicada pelo chefe ou colegas - fator que se mostrou mais relacionado ao estresse que a carga horária excessiva ou a pressão para o cumprimento de metas.
"O estresse ligado ao trabalho pode se manifestar em oscilações de humor, distúrbio do sono, dores de cabeça e problemas digestivos. Considerando esses sintomas, é de imaginar que seja difícil separar as tensões profissionais da vida pessoal", diz Merideth. Para a pesquisadora, a maneira pela qual cada um lida com exigências e frustrações torna as pessoas mais ou menos propensas a propagar a rede de estresse. "Encontrar meios de relaxar regularmente e ficar atento aos próprios pensamentos - identificando, por exemplo, quando um sentimento relativo ao trabalho serve como gatilho para discussão com o namorado ou a namorada - pode ajudar a conter a 'onda' do estresse", observa.
( Mente e Cérebro. Ano XIX, nº 230 março 2012)



quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Uma dieta de leitura
Na seleção de trechos de livros utilizados para ensinar o idioma pode estar a chave para entendermos as dificuldades dos alunos
Dionísio da Silva

Não é estranha a coincidência: no ensino fundamental, quanto menos leitura de textos, já não se digam clássicos, mas ao menos consolidados na literatura brasileira, pior o nível dos alunos para dominar a norma culta de nossa língua portuguesa. De repente, não se sabe bem por quais razões, a escola abandonou o autor nacional.
Tomemos uma antologia, escolhida a esmo, dentre aquelas cujos textos os estudantes deveriam ler na primeira e segunda séries do antigo ginásio, hoje correspondentes à quinta e à oitava séries. Esclareçamos: a alfabetização tinha sido feita no primeiro semestre da primeira série. Do segundo em diante, todos começavam a ler trechos escolhidos de fábulas, contos de fada, epidódios bíblicos, quadrinhas populares, excertos de canções e, naturalmente, o cancioneiro cívico da pátria, com destaque para o Hino Nacional.
E  chegara o ginásio! A primeira aula de língua portuguesa poderia trazer um texto do Visconde Taunay e uma poesia de Casimiro de Abreu. Eis um parágrafo do primeiro, intitulado Noite Escura: "Em trevas tão densas nada pode lobrigar o olhar indagador e um tanto inquieto do viajante, na sua frente, mais do que a esteira alvacenta que vai desenrolando a estrada (...)."
E a seguir, vinham estes versos de Meus Oito Anos: "Que aurora, que sol, que vida, / Que noites de melodia / Naquela doce alegria,/ Naquele ingênuo folgar!/ O céu bordado de estrelas,/ A terra d'aromas cheia,/ As ondas beijando a areia,/ A lua beijando o mar."

Chave
O segundo texto era apenas para ler e recitar, mas do primeiro era necessário achar o significado e os sinônimos de "trevas tão densas", "lobrigar", "alvacenta", etc. A cada aula eram ensinadas dez novas palavras, quase todas estranhas ao universo vocabular dos alunos. Outra tarefa comum era reescrever os textos após cuidadosa leitura.
Leitores amigos, escolham a esmo um livro didático ou paradidático de seus filhos, dos filhos de seus amigos ou vizinhos, de universitários, a maioria deles sem saber tecer um texto, e tirem suas conclusões. Na seleção de trechos de livros para compor a dieta de leitura dos alunos pode estar a chave de nossos desconcertos e perplexidades diante das notórias dificuldades que eles têm de ler e entender o que leem.
Língua Portuguesa. Ano 7.  nº74. dezembro de 2011

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