QUÊ DA QUESTÃO
O escritor Coelho Neto deixou-nos esta pérola: “A mais bela coragem é a confiança que devemos ter na capacidade do nosso esforço”.
O pronome relativo “que” refere-se ao termo antecedente “confiança” e funciona como objeto direto (Devemos ter confiança...). Consoante a gramática normativa, os pronomes relativos referem-se a um antecedente (geralmente substantivo ou pronome).
Todo pronome relativo possui função sintática, fazendo parte, por conseguinte, de um estudo de morfossintaxe.
É conhecido o adágio “Nem tudo o que reluz é ouro”, no qual o pronome relativo “que” refere-se ao pronome demonstrativo o e funciona como sujeito (Aquilo que reluz). O antecedente do relativo “que” (considerado universal) pode ser pessoa ou coisa: “...um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu” (Machado de Assis, Dom Casmurro). No exemplo, o “que” funciona como objeto direto. )Eu conheço um rapaz).
1. O QUAL
Como puro pronome relativo, o “qual” só se usa precedido do artigo definido: “Tinha havido alguns minutos de silêncio, durante os quais refleti muito e acabei por uma ideia. (Machado de Assis, Dom Casmurro); Aqui, referindo-se à expressão “alguns minutos de silêncio”, o relativo “os quais” funciona como adjunto adverbial de tempo. Emprega-se também “o qual” (e flexões) para evitar o duplo sentido: “Visitei o filho da vizinha ‘o qual’ se queimou com fogos”. Tem função de sujeito. Se usarmos aí o relativo “que”, não saberemos ao certo quem se teria queimado, se o filho ou a vizinha. Com frequência, usa-se “o qual” com palavras (preposição, pronome) de duas ou mais sílabas: “A felicidade é sentimento para a qual todos apelam, quando já não há possibilidade de alcançá-la”, em que o relativo funciona como objeto indireto. (Todos apelam a um sentimento).
2. ONDE
“Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte.”
Nesse excerto de Tropicália 2, composição musical de Torquato Neto e Gilberto Gil, evidencia-se a intertextualidade coma Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. O pronome relativo “onde” aparece normalmente com antecedente locativo. Aqui, “onde” refere-se aos antecedentes “minha terra”/”palmeiras”, com função de adjunto adverbial de lugar.
3. COMO
“Não há coisa que demonstre de maneira mais decisiva o caráter de um homem do que a maneira como trata as mulheres.” (Herder). O pronome relativo “como” tem sempre as palavras “modo”, ‘maneira” ou “forma” como antecedente e equivale a “pelo qual” (ou flexões). No pensamento de Herder, funciona como adjunto adverbial de modo. O primeiro “que” refere-se ao substantivo antecedente “coisa” e funciona como sujeito; o autor formou um símile com “do que” – expressando relação de comparação, porém sem função sintática.
4. QUEM
No português contemporâneo, o pronome “quem” só se refere a pessoas e sempre aparece regido de preposição: “Aquele é o presidente a quem mais admiro.”
Como o verbo “admirar” é transitivo direto, o relativo “a quem” funciona como objeto direto preposicionado.
5. CUJO
“Cujo” é um relativo que sempre correlaciona algo possuído (consequente) a um possuidor (antecedente). Emprega-se apenas como pronome adjetivo e concorda com o consequente em gênero e número: “Xadrez é um jogo cujas regras nunca compreendi”, em que o pronome “cujas” funciona como adjunto adnominal.
Vem precedido de preposição sempre que a regência do verbo ou nome o exigir: “Aquilo é o qjue sobrou do prédio de cuja implosão não me lembro”. (Eu não me lembro da implosão do prédio.)
Neste caso, o verbo lembrar-se rege preposição “de”, e o relativo “cuja” exerce a função de complemento nominal.
Fiquemos com a beleza dos versos de Antonio Nobre:
“Convento d’águas do Mar,
ó verde Convento
Cuja Abadessa secular é a Lua
E cujo Padre-capelão é o Vento...
O “que” de Camões
Nos versos da estrofe 118, Canto III, de Os Lusíadas, Camões usou duas vezes o pronome relativo “que”:
“O caso triste e digno da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que depois de ser morta foi Rainha”.
Muitos não entenderão o conteúdo caso não percebam, na inversão, que o 1º pronome refere-se a “caso”, funcionando como sujeito da oração subordinada adjetiva. No 2º caso, o pronome refere-se ao antecedente implícito “Inês de Castro”, funcionando como sujeito da oração subordinada adjetiva.
LUIZ ROBERTO WAGNER – Doutor em Letras pela UNESP de Araraquara e Professor Universitário.
(Revista – Língua Portuguesa. Ano 3. Nº 42. abr.2009. p.42)