quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A origem popular de expressões brasileiras


PÓ DE MICO
A origem da expressão que já foi nome de marchinha de carnaval
Márcio Cotrim
É o esponjilito, tipo especial de pozolana, uma substância existente nas rochas vulcânicas encontradas na região de Pozzuoli, perto no monte Vesúvio, no sul da Itália.
E daí, onde é que entra o pó de mico nisso? Voltemos ao esponjilito. Fragmento da pozolana, ao menor contato provoca incontrolável coceira, lembrando o hábito dos micos de se coçarem o tempo todo, daí o nome.
Há episódios de coceiras coletivas provocadas pelo pó de mico. Um deles aconteceu no antigo cinema Art Palácio, no Rio de Janeiro. Deu-se que um engraçadinho subiu ao segundo andar da sala e de lá despejou enorme quantidade da substância sobre a plateia.
Atarantados, os espectadores passaram a coçar-se loucamente a ponto de saírem à rua em busca de algum tipo de lenitivo. Pior é que quanto mais as pessoas se coçavam, mais a coceira aumentava, a ponto de provocar feridas cutâneas pela unhas aplicadas sobre a pele.
Naquele ano foi, sucesso no Carnaval a marchinha Pó de Mico: "Vem cá seu guarda / bota pra fora esse moço / que está no salão brincando / com pó de mico no bolso / / Foi ele, foi ele sim / foi ele que jogou o pó em mim"...
Enquanto os foliões se esbaldavam ao som da marchinha, muita gente se aproveitava para não apenas coçar-se mas também se coçar com alguém...
GAFORINA
Às Vezes certos nomes caem tanto no gosto popular que acabam virando substantivo comum. É o caso da soprano italiana Elisabetta Gafforina. Seu penteado espalhafatoso mereceu de Eça de Queirós o seguinte comentário: "Sua aparência é hoffmânica. Duas longas pernas de cegonha, olhos rutilantes numa face ascética e uma gaforina descomunal, crespa, revolta, cor de estopa". O berço da palavra se localiza, portanto, nessa vasta e heterodoxa cabeleira.
SUA ALMA, SUA PALMA
Um leitor perguntou-me sobre a origem da expressão "sua alma, sua palma". Ela seria, em sua mais pura forma, "sua alma em sua palma", no sentido de que cada um deve trazer a alma na palma da mão, sem nenhuma hipocrisia, como nos ensina a conhecida frase bíblica "Anima meã in manibus méis semper", isto é. "minha alma terei sempre nas minhas mãos". Sem dúvida um adágio nobre, mas tão fora de moda nos conturbados dias em que vivemos.

 

AS 10 DÚVIDAS MAIS COMUNS


"Eu o amo" x " Eu lhe amo" - Os oblíquos a, o e lhe se referem à 3ª pessoa do discurso e funcionam como complemento do verbo. Os a e o exercem a função de objeto direto. Já o lhe é objeto indireto. A declaração de amor pede o oblíquo a ou o: "eu o amo", pois "amar" é transitivo direto. Convém usar lhe em frases como: "eu lhe disse" (disse a ele).

"Eu o avisei que faltarei" X "Eu o avisei de que faltarei" - Atenção com verbos transitivos diretos e indiretos, pois solicitam dois complementos: um preposicionado (lhe) e outro, não (o,a): "Eu o avisei de que faltarei"; "eu lhe avisei que faltarei". Ao usar o oblíquo o, o segundo complemento apresenta preposição; com lhe, não apresenta preposição.

 "Para mim fazer" X "Para eu fazer" – O pronome reto "eu" funciona como sujeito de oração, e o oblíquo "mim", como objeto. A escolha dependerá da função deles na frase:
"Este trabalho é para eu fazer?: "eu" é sujeito da forma verbal "fazer"
"É fácil para mim fazer o trabalho": o sujeito é oracional: o que é fácil? Fazer o trabalho. Cabe, então, "mim". Em ordem direta: "Fazer o trabalho é fácil para mim".

"Entre mim e ti" X "Entre eu e você" – Os oblíquos tônicos (mim, contigo, comigo, consigo, si, conosco e convosco), são usados após preposição ("de mim a você") e os retos (ele, ela) funcionam como complemento quando preposicionados ("elas lutam contra ele"). Portanto, as construções-padrão são "entre mim e ti"; "entre mim e você".

"Deixa eu falar" X Deixe-me falar" – "Deixar", "fazer" e "mandar" são, em certas construções, auxiliares indicadores de causa: "Deixar alguém falar". Como "alguém" exerce função de sujeito da forma verbal "falar" não há problema no uso do "eu". Mas "alguém" é objeto direto de "deixar". Isso inviabiliza o uso do pronome reto; muitos optam pelo oblíquo "me": "Deixe-me falar", "deixa-os falar".

"Uma sociedade onde prevaleça a transgressão X "Uma sociedade em que prevaleça a transgressão" – O pronome relativo introduz uma oração adjetiva e retoma um antecedente. "Onde" remete à ideia de lugar. "Sociedade" não expressa tal noção; "onde" não se aplicam daí usar "em que"; "na qual". Não basta trocar "onde" pelos relativos "que" e "qual", mas adotar a preposição solicitada por "prevalecer". É comum a omissão da preposição ao usar-se relativos: "Esta é a cidade em que moro".

"Eu penteei os meus cabelos X "Eu penteei os cabelos"– Em construções como "O jogador quebrou a perna" não há necessidade de pronome possessivo, pois a idéia de posse é clara. O pronome configuraria redundância. Por isso, "eu penteei os cabelos", "Pedro recuperou a memória". É possível substituir o possessivo pelo oblíquo em construções como "Aquela mulher beijou-me a boca"; "Eu roubei-lhe um beijo".

"Este é seu problema" X "Esse é seu problema" - "Este" indica algo próximo do falante ou que será mencionado: "Esta caneta que estou usando é boa"; "Este é seu problema: preguiça". "Esse" indica algo que esteja próximo com quem se fala ou aquilo que foi mencionado: "Essa caneta na sua mão é azul?"; "Preguiça: esse é o seu problema". Para falar de seres já citados, usa-se "este" para o último e "aquele" para o primeiro.



"Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo (X "ele") está parado no andar" – "Mesmo" exerce a função de demonstrativo. Mas é comum o uso inadequado como pronome pessoal, talvez provocado pela contaminação de expressões como "Fiz meu trabalho depressa, já ele não fez o mesmo". Não é possível substituir "o mesmo" por "ele" nesta construção. Mas é o que se recomenda: "Antes de entrar no elevador, verifique se ele......"



"Você fez o que eu te pedi?" X "Você fez o que eu lhe pedi?" – Quando se quer garantir a uniformidade de tratamento, substitui-se o pronome oblíquo de 2ª pessoa "te" pelo oblíquo "lhe" ou substitui-se "você" por "tu": "Você fez o que lhe pedi?" ou "Tu fizeste o que te pedi?"

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

TUITADAS QUE GOSTARÍAMOS DE LER


O que diriam pensadores e escritores famosos se o Twitter existisse na época deles .


. Shakespeare – Existem uns scripts podres no reino do Twitter. #mimimi #tragédia
. Homero – Canta, oh, musa, a fúria de Aquiles. Mas seja breve, por favor. #epic
. Kafka – O Twitter me faz sentir como um inseto repugnante #nojinho
. Fernando Pessoa - #followfriday @albertocaeiro @alvarodecampos @ricardoreis @bernardosoares
.Jorge Luis Borges – O Twitter é um jardim de caminhos que se bifurcam
.Melville – Chama-me de Ismael_Moby123
.Carlos Drommond de Andrade – Tinha um Twitter no meio do caminho. No meio do caminho tinha um Twitter.
. Mário de Andrade – Ai, que preguiça do Twitter
. Machado de Assis - @verme Ao primeiro que roeu minhas tripas dedico este Tweet
. Nietzsche – O Twitter está morto.#cansei
. Antoine de Saint-Exupéry – Você é responsável por aquele a quem retribuiu o follow.#mimimi
. Clarice Lispector – Não se preocupe em entender. Twittar ultrapassa qualquer entendimento
. Nabokov – follow Lolita.
(fonte:www.livrosafins.com – Revista Língua Portuguesa – Ano 4 . nº 49. Nov.2009)




QUEBRE-CABEÇA CLÍNICO

Nem toda demência é Doença de Alzheimer. Existem várias composições de sintomas diferentes

dependendo da forma de demência considerada. Quando estamos diante de um paciente idoso cuja

manifestação mais importante é a alteração de memória, torna-se obrigatório pensarmos na doença de Alzheimer,

caracte4rizada por comprometimento precoce do sistema límbico.

Quando o sintoma mais saliente é a lentidão do processamento cognitivo, devemos lembrar das demências subcorticais,

aquelas encontradas na doença de Parkinson, na doença de Huntington ou ainda na demência causada pela AIDS.

Por outro lado, quando as alterações de comportamento se destacam num cenário de preservação de outras funções cognitivas

como memória e funções visoespaciais, impõem-se o diagnóstico de demência frontotemporal.

Nos casos em que o distúrbio de linguagem aparece precocemente e constitui a síndrome mais marcante,

dominando o conjunto de sintomas, pode-se pensar nas afasias primárias ou em alguns subtipos mais

raros da demância frontotemporal ou da doença de Alzheimer. Se o destaque for a incapacidade de efetuar determinados

sob comando (apraxia) ou de reconhecer e distinguir estímulos sensoriais (agnosias), deve-se contemplar o diagnóstico

de doença de Alzheimer, bem como degeneração corticobasal, doença de Pick e outras síndromes degenerativas focais,

como apraxia progressiva dos membros, dispraxia orofacial e atrofia cortical posterior. Já quando a síndrome visoespacial

domina, ou pelo menos se destaca no cenário neuropsicológico, há que se considerar os diagnósticos de doença de Alzheimer

e atrofia cortical posterior.

Fica claro que o diagnóstico clínico será "montado", entre outras coisas, com base na síndrome neuropsicológica mais saliente

em cada caso, isto é, na padrão cognitivo que caracteriza o perfil de cada demência. É preciso levar em conta, entretanto,

que esta formulação é eficiente apenas quando examinamos ou temos acesso à história do paciente no início de sua doença,

quando o conjunto sintomático está mais puro e mais claro. À medida que o processo degenerativo cerebral avança, outras áreas serão comprometidas, de modo que muitas síndromes convivem no mesmo indivíduo. É isso o que ocorre em quase todas as demências em fase terminal, quando então todas se parecem e o diagnóstico diferencial tona-se impossível.

(Leonardo Caixeta- Revista Mente & Cérebro – nº 21- Edição Especial

quinta-feira, 12 de novembro de 2009


MARCANDO sutilmente
Usado como argumento não-essencial para evidenciar o posicionamento do enunciador,
 o adjunto adverbial é variado, flexível e tangido por exceções                                                                                               Sérgio Simka

Do ponto de vista do significado, o verbo é uma palavra que tem uma significação pertencente ao mundo físico (ler, quebrar, etc.) ou ao mundo psicológico (amar, pensar, etc.). Também possui algo mais dentro do seu significado, que é uma estrutura virtual de relação ou estrutura argumental.
Ao se lembrar de um verbo, surge em mente um conjunto de "lugares virtuais" que se sabe, por intuição, que devem ser preenchidos. À palavra "explicar", por exemplo, associam-se dois argumentos: alguém que explica (um agente, aquele que desencadeia ação); algo que é explicado (elemento que aparece como mero fruto de uma atividade). Esses dos pontos formam a rede argumental essencial de "explicar".
A essa rede, podem ser inseridos argumentos não-essenciais, tais como tempo, lugar, modo, etc. Esses argumentos não-essenciais são adjuntos adverbiais, que podem aparecer de duas maneiras: como um simples advérbio ("ela me beijou ontem"), ou como um substantivo preposicionado ("ministrei um curso na PUC"). Às vezes, um adjunto adverbial modifica um outro, como em "ela acordou bem cedo" ou "ela acordou quase às três horas".

TOQUES NÃO-ESSENCIAIS
O propósito de redigir determinado texto vem marcado linguisticamente por palavras que se usa conscientemente a fim de evidenciar o posicionamento do autor como partícipe da realidade sociocultural. Ao criticar, ironizar, opinar, etc., está imprimindo uma marca pessoal à redação.
O adjunto adverbial é uma dessas palavras que podem demonstrar tal visão de mundo, quase sempre de modo sutil. Se, por exemplo, quiser acrescentar ao enunciado "o professor explicou a questão" um argumento não-essencial que exemplifique a maneira positiva pela qual a questão foi abordada, basta inserir o termo "rapidamente" (resposta a "como?"), que é um adjunto adverbial de modo: "O professor explicou a questão rapidamente".
Toda vez que uma palavra ou expressão responder à pergunta "como?" será adjunto adverbial de modo. Por outro lado, se a nossa intenção é desvalorizar o ato praticado pelo professor, há outras ferramentas para tal: "o professor explicou a questão lentamente"; "explicou a questão com artimanhas"; "explicou a questão com meu auxílio".
Pode-se acrescentar à mesma rede argumental essencial vários argumentos não-essenciais, de forma que seu uso espelhe não só o ponto de vista, como também amplie semanticamente o enunciado: "Para mim, o professor, apesar dos seus esforços, não explicou satisfatoriamente a questão".

DUAS POLÊMICAS
Segundo a análise sintática, como se classificariam os quatro adjuntos adverbiais destacados na última oração? "Apesar dos seus esforços", por exemplo, é um adjunto adverbial de concessão; "não" é um adjunto adverbial de negação; "satisfatoriamente" é adjunto adverbial de modo. Já a primeira parte, "para mim", guarda uma polêmica. Pode pôr abaixo seus compêndios gramaticais, mas não encontrará resposta definitiva. De acordo com a gramática, não existe adjunto adverbial de opinião.
A solução mais plausível é analisar o termo como dativo de opinião, que exprime a opinião de uma pessoa.
Em "ele foi ao cinema", o termo "ao cinema", segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), é um adjunto adverbial, uma vez que desempenha função de advérbio e tem valor de advérbio, indicando uma circunstância de lugar ("foi aonde?").
No entanto, em alguns casos, um argumento que marca uma circunstância faz parte da rede argumental essencial de um verbo, como é o caso de "ir", da referida oração. Retirando-se dela o argumento que marca circunstância de lugar ("ao cinema"), a oração carecerá de sentido: "ele foi".
Por esse motivo, esse argumento circunstancial não tem função de adjunto adverbial, como apregoa a NGB. Gramáticos chamam-no de complemento circunstancial, complemento adverbial de lugar ou complemento relativo.
ADJUNTOS ADVERBIAIS
Acréscimo = Além da tristeza, sentia profundo cansaço.
Afirmação = Isso realmente aconteceu.
Argumento = Chega de brigas. Basta de incompetência.
Assunto = todas falavam sobre gramática.
Causa =Consumia-se de tédio.
Companhia = Vou sair com você
Comparação =Ela fala como um inspirado
Concessão = Apesar do temporal, chegamos bem.
Condição = Não saiam sem meu consentimento.
Conformidade = É preciso dançar conforme a música.
Direção = Apontou para o alto.
Dúvida = Talvez ele volte para mim.
Efeito = Sua atitude redundou em prejuízos.
Exclusão = Todos partiram, menos ela.
Favor, interesse = Daria a própria vida por ela.
Finalidade = Estudou para professor.
Frequência = O noivo ali apareceu duas vezes.
Instrumento = Cortou-se com a faca.
Intensidade = Comeu muito.
Limite = A estrada vai até Belém.
Lugar onde (situação)= Moro em Mauá.
Lugar aonde (direção) = Viajei para Los Angeles.
Lugar donde (origem) = Venho de Salvador.
Lugar por onde (passagem) = Voltei pela Rodovia dos Bandeirantes.
Matéria = Este prato é feito de porcelana.
Meio = Voltarei de avião.
Modo = Correu desesperadamente.
Negação = Não irei.
Oposição = Agiu contra o próprio pai.
Ordem = Classificou-se em segundo lugar.
Preço = Vendeu tudo por pouco dinheiro.
Reciprocidade = Há muita compreensão entre mim e ela.
Substituição ou troca = Deu um automóvel por um terreno.
Tempo = A gente não devia crescer nunca
(Discutindo Língua Portuguesa. Ano 2/nº8)

MOVIMENTOS DE GOLFINHOS SEGUEM LÓGICA DA LINGUAGEM HUMANA
A"lei da brevidade" de linguagem, proposta pelo fisiologista americano George K. Zipf,
segundo a qual as palavras usadas com freqüência em determinada língua tendem a ser mais curtas,
também se aplica à forma como golfinhos se movimentam na superfície de água.
A constatação vem do estudo publicado na revista Complexity por cientistas da Universidade Politécnica da Catalunha,
na Espanha, e da Universidade de Aberdeen, na Escócia.
Pesquisadores observaram que esses cetáceos tendem a realizar movimentos simples, seguindo o mesmo padrão
usado pelos humanos para encurtar palavras quando estão falando ou escrevendo.
Segundo eles, as observações mostram que essa "economia linguística" segue os mesmos princípios que governam os sistemas biológicos.
"Isso nos leva à conclusão de que as tradicionais barreiras
entre as disciplinas do comportamento humana e animal devem ser abolidas", escrevem os autores.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O CACHORRO QUE VIROU SALSICHA


O inglês deixou muitas contribuições para o nosso dia-a-dia.
E ainda é, certamente, o idioma estrangeiro mais influente no Brasil.
Para evitar uma lista imensa, fiquemos com dois exemplos muito interessantes
sobre a absorção sonora que fizemos de algumas expressões desse idioma:
Hot dog – traduzido literalmente como "cachorro quente",
essa palavra deu origem ao perambulante "dogão".
Por falar nisso, hot dog é mais uma das muitas expressões estadunidenses cuja origem é incerta.
O dicionário Houaiss aponta, nessa acepção, a primeira ocorrência registrada em 1900,
e sugere "provavelmente por compara cão da forma da salsicha à de um bassê".
Mas existem outras hipóteses: T.A.dorgan, cartunista americano, teria criado uma charge
em que comentaria ter sido uma "linguiça feita de carne de cachorro".
Além dessa história, datada e situada (1900, no New York Journal), há indícios de que a expressão
teria vindo de canções populares, como a sugerida por Barry Popik, da American Dialect Society:Oh where oh where hás my little dog gone?

Oh where oh where can He be?
Now sausage is good, baloney, of course

Oh wherw oh where can he be?
They make them of dog, they make them of course
I think they made them of he.

(Quicar – do Inglês kick out: "chutar". Aliás, já que Inglês é o assunto, essa língua
é ainda mais rica do que a nossa em falsas etimologias. Kick, por exemplo, de origem incerta,
poderia ter vindo de kikna (do dialeto viking), ou seria a representação
onomatopaica do barulho do pé ao chutar algo.
O mesmo já se falou sobre step ("passo"), cuja raiz além de poder ser o barulho do passo,
também pode ter relação com stop e steppan. Assim como knock, ("bater"), que poderia tanto vir
do antigo saxão cnucian como do "barulho da mão ao bater na madeira".
(Discutindo Língua Portuguesa. Ano 1. nº5)

 
(Oh! Onde estará meu cachorrinho?
Oh, Onde el epode estar?

Agora a salsicha é gostosa, claro!
Oh! Onde el epode estar?
Eles a fazem de cachorro, eles a fazem de cavalo,
Eu acho que eles a fizeram dele.)

sábado, 26 de setembro de 2009

O sentido dos tempos verbais


O imperativo bíblico e o presente histórico rompem a cronologia e expressam  noções diferentes das formas convencionais
Há alguns anos, o exame vestibular da Unicamp trazia, em uma de suas questões, trecho do poeta e cronista Bastos Tigre (1882-1957), autoapelidado D. Xiquote. O fragmento brinca com um uso particular do futuro do presente, o chamado "imperativo bíblico":
Não fartarás – prega o Decálogo e cada homem deixa para amanhã a observância do sétimo mandamento.

citado por Mendes Fradique em sua Gramática Portuguesa pelo Methodo Confuso, 1928)
Todo tempo verbal possui um emprego mais evidente, que define seu uso literal. Por exemplo, a função "normal" do futuro do presente do indicativo é insinuar algo de ocorrência posterior ao momento em que se fala (como em "Domingo irei à praia"). Este é o uso literal.

Por outro lado, há empregos das formas verbais que, embora corretos, são menos frequentes. São usos não literais; expressam noções diferentes das sugeridas pela denominação do tempo verbal. É o caso do decálogo bíblico, que utiliza o futuro do presente com um valor equivalente ao imperativo (modo verbal que expressa ordens, pedidos, súplicas, mandamentos).

Situação semelhante é muito encontrada nos jornais diários. Por exemplo, a Folha de S. Paulo de 2 de março, quinta-feira, trazia a seguinte notícia:
"Vila Isabel vence o Carnaval no Rio"
Esse é um fato bem conhecido dos leitores de jornal. As notícias podem referir-se a fatos presentes ou passados, mas seus títulos quase sempre trazem formas verbais no presente. Afinal, a imprensa diária precisa mostrar notícias "quentes". Daí o recurso ao presente histórico, ou seja, o emprego do tempo verbal presente para referir-se a fatos ocorridos no tempo cronológico passado.

Substitutos do Imperativo
O emprego do modo imperativo pode às vezes parecer muito autoritário. A língua apresenta, então, alguns mecanismos para atenuar esse caráter pesado do imperativo.

Por exemplo, um enunciado como o seguinte pode, em muitas situações, parecer exagerado:
"Busque-me um copo d'água".
Se a intenção não for de humilhar o interlocutor, podemos optar por uma forma mais branda:
"Você me busca um copo d'água?"
 Agora, além da transformação do pedido em uma pergunta, substituímos a forma imperativa "busque" por uma do presente do indicativo, "busca", o que enfraquece o tom autoritário do enunciado. Também é possível utilizar o futuro do pretérito.
"Você me buscaria um copo d'água?"
Às vezes, inclusive, a intenção de ser gentil leva a uma frase negativa:
"Você não me buscaria um copo d'água?"
Menos com a intenção de gentileza, e mais com o intuito de generalizar a ordem, placas ou cartazes – do tipo "Favor não fumar" ou "Não pisar na grama" – empregam formas do infinitivo também em sentido não literal, com o valor de imperativo.

O futuro como hipótese
O futuro é, por natureza, incerto. Diferentemente do passado, que pode ser polêmico, mas foi único, o futuro, por motivos óbvios, se presta a toda sorte de conjecturas. Talvez, por isso, seja comum que os tempos verbais do futuro apareçam empregados com valor, não propriamente temporal, mas antes lógico, para expressar um fato de ocorrência incerta, uma hipótese. O fato é particularmente notável com o futuro do pretérito, sobretudo o composto:
O Comem (Conselho Municipal de Entorpecentes) de Florianópolis (SC) denunciou ontem que o comerciante J.M.C.,34, teria sido torturado nas dependências da 1ª Delegacia de Polícia, no centro da cidade. (Folha de S. Paulo, 30/11/95)
No enunciado, a forma "teria sido" (futuro do pretérito composto do indicativo) é utilizada para apresentar um fato possível, mas ainda não comprovado. Precavido, o jornalista opta pelo futuro do pretérito, que expressa uma hipótese, não algo realmente confirmado.

Apesar de um pouco menos frequente, também o futuro do presente pode expressar fatos incertos:
"Júlia é uma dessas pessoas que escondem a idade. Parece adolescente, mas não terá menos que 45 anos."

Já que "Júlia esconde a idade", o autor da frase não tem realmente certeza quanto à idade correta dela. Assim, usa o futuro do presente, não para designar um fato de ocorrência futura, mas para expressar uma dúvida sobre esse fato.


POR QUE FUTURO DO PRETÉRITO?


Modernamente, o tempo verbal denominado "futuro do pretérito" é mais utilizado em sentido não-literal, para expressar hipóteses. Daí, inclusive, que gramáticas até aproximadamente os anos 60 o denominassem de tempo ou modo "condicional", terminologia, aliás, ainda relativamente corrente.
A denominação futuro do pretérito se afirmou por influência do gramático e filólogo brasileiro Manuel Said Ali (1861-1953). Ele observou que, em sentido literal, esse tempo expressa algo que, em relação a nós, encontra-se no passado, mas é futuro em relação a outra ação ou estado. Confuso? Nem tanto. Veja o exemplo:

"Em 1814, Napoleão foi deposto, mas em 1815 ele voltaria ao poder."

A frase narra dois fatos históricos. O segundo deles, ocorrido em 1815, é passado em relação a nós. Mas é futuro em relação ao primeiro evento, de 1814. Daí o emprego – em sentido literal – da forma "voltaria", no futuro do pretérito, ou seja, como expressão do futuro em relação a um passado anterior.
(Discutindo Língua Portuguesa. Ano 1, nº 5)



segunda-feira, 14 de setembro de 2009

ENCAIXE PERFEITO


ENCAIXE PERFEITO


Uma das tarefas árduas para um poeta é colocar letra numa música já pronta. Tenho comentado aqui a dificuldade e a importância de um escritor trabalhar com formas fixas. Elas lhe impõem restrições, mas essas restrições acabam por obrigá-lo a façanhas de criatividade – se há talento, claro.
Pois bem: não há forma fixa tão complicada quanto a letra de música. Uma coisa é escrever palavras para serem impressas numa página. Outra é escrever frases para serem cantadas em voz alta, num ritmo que não é dado pelo escritor. A música sugere emoções, induz um tipo diferente de recepção. Um poema na página diz só o que suas palavras dizem. Um poema cantado diz o que dizem as palavras, misturado ao que a música diz de modo mais indireto mas não menos eficaz.
Carinhoso, de Pixinguinha e Braguinha, é um belo exemplo de letra que se encaixou, sem aparente esforço, numa música preexistente. E foi uma letra submissa à música, criada sem que o letrista pudesse alterar a melodia. Se alguém dissesse que a letra foi feita primeiro, e depois musicada, muita gente acreditaria.
MELODIA EXISTENTE
A melodia foi composta por Pixinguinha em 1917 e gravada em forma instrumental em 1928. Em 1936, por sugestão da cantora Heloísa Helena, Braguinha se dispôs a "letrar" a música. No outro dia, ele trouxe a letra pronta. Orlando Silva a gravou em 1937, e o resto, até as duzentas regravações desde então, é História.
A canção vai se abrindo aos poucos. "Meu coração...Não sei por que..." duas frases melódicas idênticas, às quais se sucede uma terceira, em melodia ascendente (Bate feliz...) e uma quarta se ergue triunfal (Quando te vê!...), recriando a emoção do surgimento da amada. Então, melodia e letra valsam uma sucessão de frases e acordes: "E os meus olhos / ficam sorrindo / e pela rua / vão te seguindo..." Um rodopio de felicidade que se amaina aos poucos quando a letra e melodia se recolhem, tímidas, imobilizando-se na constatação grave: "Mas mesmo assim...foges de mim".
Vem uma modulação, ou mudança de tom, iniciando outra sequência (a canção tem estrutura dramática, mesmo não sendo narrativa ou visual). De novo só, o poeta "muda de tom" no pensamento, e embora continue dirigindo-se a Ela, parece falar consigo mesmo: "Ai, se tu soubesses / como sou tão carinhoso / e o muito, muito que te quero, / e como é sincero o meu amor, / eu sei que tu não fugirias mais de mim..." Vejam com que influência essas frases se sucedem na melodia, exprimindo sem esforço com conceito que sintaticamente só se fecha no final: "se tu soubesses, (...) não fugirias". E então o poeta chama, clama, reclama em quatro notas e quatro imperativos ascendentes: "Vem!, Vem! Vem! Veem!..." Seria possível colocar ali uma palavra de quatro sílabas. Braguinha, com simplicidade e nitidez, sentiu a necessidade de um mesmo monossílabo, para corresponder à sílaba e à insistência da melodia.
O quarto "vem" vai meio-tom além daquele "vê" (do "quando te vê" da 1ª estrofe), e o poeta, como quem ultrapassou uma barreira, exige: "Vem sentir o calor / dos lábios meus / à procura dos teus..." Em seguida, letra e música voltam a valsar em acordes sucessivos: "Vem matar / esta paixão / que me devora o coração / e só assim então / serei feliz / bem feliz". A canção termina igualmente numa frase descendente, mas agora é o repouso após o triunfo.
Calado, contemplativo, o poeta permitiu que a melodia arrebatasse suas palavras e liberasse tudo que tinha para dizer.

 
LETRA E MÚSICA

 
Carinhoso é exemplo de como a letra pode acompanhar de perto a emoção da música, dando a impressão de que foram compostas ao mesmo tempo.
Numa canção, letra e música são canais simultâneos de expressão e se influenciam. A música é abstrata; sugere e produz emoções, mas não diz nada diretamente. A letra tem sentido imediato, descreve ações e pensamentos, expõe ideias, evoca imagens.
É comum que a música sugira uma coisa e a letra diga algo diferente. Isso tanto pode ser recurso expressivo como defeito, incapacidade de expressão do(s) autor(es).
Carinhoso mostra que a dificuldade de fazer letra para música já pronta não é a dificuldade técnica de fazer as sílabas poéticas coincidirem com as notas musicais, e sim a de produzir um texto cuja ressonância emotiva esteja de antemão contaminada por elementos externos ao texto. É mais freqüente encontramos letra e música que se toleram do que as que se harmonizam.
(Braulio Tavares – compositor, autor de Contando Histórias em Versos)

O VÍCIO QUE DOI NO OUVIDO


É preciso cuidado para não repetir termos a todo momento nem tomar, por preciosismo, qualquer expressão como viciosa.
(...) A gramática tradicional usa a classificação de vício para agrupar diversos fenômenos diferentes, considerados desvios em relação ao padrão culto da língua, como por exemplo:
ARCAÍSMOUso de termos antiquados ("Encontre, por obséquio, minhas chaves").
AMBIGUIDADEQuando o sentido não fica claro, com enunciado com mais de um sentido ("O pai o filho adora" = quem adora quem?)
BARBARISMOErros no uso das palavras: de pronúncia, grafia, morfologia, semântica e de estrangeirismos ("flamengo", "sombrancelha", "sale em vez de "à venda" ).
CACÓFATOSequência de palavras que provoca o som de uma expressão ridícula ou obscena ("Por razões de Estado").
COLISÃO E HIATOProximidade ou repetição, respectivamente, de consoantes e vogais iguais em uma sequência ("O salário da secretária sempre será pago na sexta-feira").
ECORepetição da mesma terminação em prosa ("O acesso dado ao processo do réu confesso foi um retrocesso jurídico").
PRECIOSISMOLinguagem pretensamente culta.
PLEBEÍSMOUso de gírias ou termos que demonstram falta de instrução ("tipo assim", "a nível de ").
TAUTOLOGIARepetição desnecessária da ideia ("Iphan restaura velho casarão"; "Governo cria novos empregos") ou termo já pronunciado (subir para cima, surpresa inesperada, acabamento final).
SOLECISMODesvios na construção sintática, de concordância, regência e colocação ("Viajar anexo", no sentido de viajar "ao lado de alguém"; "Fazem dias que viajei", contém erro de concordância).

Leonardo Fuhrmann 



 

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

COMO CRIAR UMA HISTÓRIA EM QUADRINHOS


Há expedientes manjados na criação de histórias em quadrinhos, comuns a desenhistas e roteiristas de todo o mundo. Ter como ponto de partida uma boa ideia central ajuda a estabelecer, por exemplo, o argumento que resumirá a história. Também é aconselhável, para a elaboração do roteiro e de imagens realistas, um empenho na pesquisa de livros e sites de referência, de conceito, fotos e registros iconográficos.
Mas, na prática, fora as exceções industriais, em que o trabalho segue uma linha de produção muitas vezes taylorista, cada autor tende a ter um método próprio para a criação de uma história em quadrinhos e cada história se desenvolve de forma diferente.
— O que costuma acontecer comigo é ter uma ideia central e, a partir dela, começo pesquisar o assunto e desenvolvo um roteiro, o começo, o meio e o fim da história. A ideia é o coração da história — afirma Danilo Beyruth, autor de Necronauta.
Para o roteirista Edson Rossatto, um recurso para aguçar a curiosidade do leitor é mostrar uma ação ainda não explicada.
— Na HQ História do Brasil em Quadrinhos, por exemplo, colocamos na primeira página nossos três personagens principais fugindo. De que ou de quem o leitor só fica sabendo nas páginas seguintes — afirma Rossatto, para quem o roteirista precisa prender a atenção do leitor logo nas primeira páginas.
Ele diz que só dessa forma ele ganhará a confiança desse leitor para terminar de contar sua história.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

COM A MACACA
A origem da expressão aplicada a pessoas nervosas e estressadas
Márcio Cotrim
Em tempos de crise e tensão à flor da pele com a quebradeira dos bancos, catastróficos índices de desemprego, conflitos sangrentos e milhares de mortos, uma expressão que muito se escuta é que as pessoas "estão com a macaca". Verdade.
Significa que estão possuídas pelo demo - pelo menos, é o que o berço da expressão ensina.
Em algumas culturas, palavras tipo "demônio", "capeta" ou "diabo" são sinal de má sorte.
Para atenuá-las, esses vocábulos têm sido substituídos por cão e macaca. Cão no Nordeste e macaca no Centro-Oeste, aí incluído o interior de Mainas e São Paulo.
A expressão caracteriza a pessoa nervosa, estressada, irritada. Felizmente, porém, esse estado de espírito nunca é permanente. Ainda bem, porque senão a vida se tornaria um inferno.
A propósito, a palavra 'inferno" vem do latim "infernum", que significa "as profundezas" ou "o mundo inferior". É aceito por várias religiões monoteístas, sobretudo o cristianismo, o islamismo e o judaísmo, e designa o lugar para onde vão os pecadores depois da morte, onde padecerão os piores flagelos por toda a eternidade. Considerando o tipo de pecadores que vão para o inferno e as suaves alegrias do Paraíso na visão leiga habitual, é conhecido o jocoso comentário do escritor Mark Twain: "Prefiro o céu pelo clima e o inferno pela companhia".

O NOME DA MANIA
Numa das páginas do livro deBen Schott A Miscelânea Original de Chott (Editora Intrínseca, 2005:75), há um pequeno glossário de manias, com a tradução de nomes curiosos para recorrências esquisitasdo comportamento huj]mano, alhumas relacionadas à linguagem.

  • Abluciomania = lavar as mãos
  • Algomania = sofrimento
  • Antomania = contar pessoas ou objetos
  • Clastomania = quebrar objetos e rasgar roupas
  • Dacnomania = order a si mesmo e aos outros
  • Farmacomania = tomar remédios
  • Gamomania = casar
  • Glossomania = falar muito
  • Grafomania = escrever e rabiscar
  • Hieromania = frenesi religioso
  • Oneomania = comprar coisas inúteis
  • Onomatomania = busca ou repetição de palavras
  • Xenomania = coisas estrangeiras

(Revista Língua Portuguesa . Ano 3.n°44.junh2009)

Era uma vez...


...palavrinhas mágicas, capazes de fazer os sentidos se aguçarem e os olhos se arregalarem, à espera de episódios que nos arrepiem a alma: assim são as histórias desde os tempos mais remotos. Ficções nos ajudam a desvendar mundos - tanto externos quanto internos -, a domar o medo do desconhecido e a desenvolver elaborações psíquicas que contornam as emoções com palavras.
TRAMAS QUE ATRAVESSAM NOITES
Diz a história que Sherazade, uma jovem bela e inteligente, convence seu pai, o vizir, a levá-la ao palácio do sultão para casar-se com ele, apesar de saber que, após a noite de núpcias, seu destino seria a morte por decapitação.Traído pela primeira esposa, o sultão já se vingara da infidelidade da mulher assassiando inúmeras moças do reino. Apesar dos protestos do pai, a jovem decide interromper asaga de crueldade. Mas, antes de sair de casa, diz à irmã caçula que entre no quarto, na primeira noite, onde estará com o marido e peça a ela, pouco antes do nascer do dia, que lhe conte o último de seus contos maravilhosos.. A história que Sherazade conta à irmãzinha atrai a atenção do sultão, que decide poupar sua vida para continuar a acompanhar a narrativa na noite seguinte. E assim, fiando histórias, tecendo ciclos de contos, a jovem atravessa mil e uma noites e se mantém viva, ganhando por fim (embora algumas versões sejam controvertidas) o amor do marido.
CRIANÇAS MAIS ATENTAS E DISPOSTAS A APRENDER
Nunca houve sociedade humana sem um repertório de histórias próprias ou sem a necessidade de contá-las. Também não há registros de sociedade isenta da necessidade de fabular, inventar-se ou construir, na lentidão dos séculos, seu imaginário e mitos. Enquanto as civilizações sobrevivem, elas contam. Depois, o que delas sabemos é o que se conta.
Os contos têm, além disso, importância capital para a vida psíquica das pessoas, em especial das crianças. Embora já tenha havido resistências, aqui e ali, por parte dos adultos quanto à violência dos conteúdos, seu potencial terapêutico tem hoje aprovação quase unânime. E, no contexto atual, regido pela imagem e pela informação, é importante trazer de volta a figura do narrador. Não por acaso proliferam as"contações" de histórias; os cursos e oficinas que ensinam formas eficientes e criativas de narrar; grupos de voluntários que levam a prática a hospitais, asilos e abrigos para crianças; professores são incentivados a usar as histórias, sem parcimônia, como recurso didático; e nunca chegaram às livrarias tantos títulos atraentes voltados ao público infantil. Parece que em meio à sofisticação tecnológica (que produz inúmeros jeitos de narrar, com imagens tridimensionais, por exemplo) retorna-se à magia do olho no olho, daspalavras que fluem com simplicidade e encantam justamente pelas formas variadas que podem tomar, seguindo os tons escolhidos pelo ouvinte para colorir cadacena.
Uma pesquisa, realizada na França, pelo médico Celso Gutfriend, pós-doutor em psiquiatria infantil, pela Universidade Paris VI, autor de "O terapeuta e o lobo - A utilização terapêutica do conto" (Casa do Psicólogo, 2009) mostrou a importância das narrativas paraa evolução favorável da vida psíquica de crianças que viviam em abrigos públicos. Elas apresentaram grande melhora dos problemas de conduta, mostrando-se mais capazes de expressar, de diferentes formas, o intenso sofrimento resultante da separação após a intervenção. Outro estudo, desenvolvido em um bairro periférico de Porto Alegre, verificou o efeito do conto no acompanhamento de ciranças com transtornos de aprendizagem que frequentavam uma escola comunitária. Os resultados revelam que os alunos se mostram mais atentos, concentrados e predispostos à aprendizagem após ouvir uma história que os cative.
LABIRINTOS DO MINOTAURO
Em "Um Sopro de vida" (1978, Clarice Lispector, delicada e audaciosa na "costura para dentro" das palavras, escreve: "...o drama de todos: equilibrar-se no instável. Pois tudo pode acontecer e danificar a vida mais íntma da pessoa. O que é que terá feito à minha alma no ano que vem? Essa alma terá crescido? E crescido tranquilamente ou através da dor de duvidar?" Mais a diante, na mesma obra, Clarice diz:"Se eu não acho um modo de falar de mim, a palavra me sufoca a garganta atravessando-a como uma pedra não deglutida. Eu quero ter acesso a mim mesmo na hora em que eu quiser como quem abre as portas e entra. Não quero ser vítima do acaso libertador. Quero eu mesmo ter a chave do mundo e transpô-lo como quem se transpõe da vida para a morte e da morte para a vida".
Talvez sejam as histórias - de si mesmo, do outro, do mundo, das possibilidades e da castração, do terror e do afeto, da convergência e da contradição - essa espécie de chave à qual se refere Clarice. Esses fios de palavras enrolados como no carretel do bebê podem conduzir e possibilitar o ir e vir por esse jogo de tantas histórias (ouvidas, contadas, imaginadas, desejadas, sonhadas, brincadas, partilhadas...). Como as meadas de Ariadne, desenroladas no labirinto do Minotauro, fios de histórias propostas pelo paciente e, muitas vezes, narradas como se fossem jogados ao acaso, oferecem à dupla analítica a possibilidade de ir e vir nesse emaranhado.
É comum dizer que o futuro se gesta no passado. Mas o inverso também é possível: a existência de uma passado que se revê, se renova e se recria. Nesse sentido, as construções e reconstruções propostas por Freud abarcam mais que o resgate do que foi vivido (de forma real ou fantasiada). A recuperação ou mesmo a edificação do passado, no presente (e em presença de alguém que ouve, testemunha e intervém), permite a criação de futuros possíveis, de outras versões de si mesmo e do outro, não apenas reprodutoras do mesmo, mas produtoras de novas tramas.
Muitas vezes, no divã, "a pele dos sonhos" parece fina demais, e na cadeia de associações as narrativas se confundem. As histórias tecidas são feitas de atravessamentos. Muito mais que resgatar fatos precisos e exatos, no entanto, é importante conferir sentidos. Em inúmeras situações, a construção e a reconstrução propiciam resultados até mais eficazes que aqueles obtidos pelas interpretações. Um dos maiores desafios do analista talvez seja retomar os fios e ajudar seu paciente a tecer laços de nexos. Claro, o Minotauro excluído - com corpo humano e cabeça deformada de fera, a expressão de horror, assim como os conteúdos banidos da consciência - pode espreitar a cada esquina do labirinto. Ainda assim, vale a pena penetrar nas curvas sinuosas desse microcosmo e, ao encontrar o monstro, talvez o recurso seja encantá-lo (e iuntegrá-lo) com histórias. Como fez Scherazade com seu sultão.
(Gláucia Leal- jornalista,psicóloga e psicanalista- Mente &Cérebro, Ano XVI.n° 197.jun.2009)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

SINTAXE


QUÊ DA QUESTÃO

O escritor Coelho Neto deixou-nos esta pérola: “A mais bela coragem é a confiança que devemos ter na capacidade do nosso esforço”.
O pronome relativo “que” refere-se ao termo antecedente “confiança” e funciona como objeto direto (Devemos ter confiança...). Consoante a gramática normativa, os pronomes relativos referem-se a um antecedente (geralmente substantivo ou pronome).
Todo pronome relativo possui função sintática, fazendo parte, por conseguinte, de um estudo de morfossintaxe.
É conhecido o adágio “Nem tudo o que reluz é ouro”, no qual o pronome relativo “que” refere-se ao pronome demonstrativo o e funciona como sujeito (Aquilo que reluz). O antecedente do relativo “que” (considerado universal) pode ser pessoa ou coisa: “...um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu” (Machado de Assis, Dom Casmurro). No exemplo, o “que” funciona como objeto direto. )Eu conheço um rapaz).

1. O QUAL

Como puro pronome relativo, o “qual” só se usa precedido do artigo definido: “Tinha havido alguns minutos de silêncio, durante os quais refleti muito e acabei por uma ideia. (Machado de Assis, Dom Casmurro); Aqui, referindo-se à expressão “alguns minutos de silêncio”, o relativo “os quais” funciona como adjunto adverbial de tempo. Emprega-se também “o qual” (e flexões) para evitar o duplo sentido: “Visitei o filho da vizinha ‘o qual’ se queimou com fogos”. Tem função de sujeito. Se usarmos aí o relativo “que”, não saberemos ao certo quem se teria queimado, se o filho ou a vizinha. Com frequência, usa-se “o qual” com palavras (preposição, pronome) de duas ou mais sílabas: “A felicidade é sentimento para a qual todos apelam, quando já não há possibilidade de alcançá-la”, em que o relativo funciona como objeto indireto. (Todos apelam a um sentimento).

2. ONDE

“Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte.”
Nesse excerto de Tropicália 2, composição musical de Torquato Neto e Gilberto Gil, evidencia-se a intertextualidade coma Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. O pronome relativo “onde” aparece normalmente com antecedente locativo. Aqui, “onde” refere-se aos antecedentes “minha terra”/”palmeiras”, com função de adjunto adverbial de lugar.

3. COMO

“Não há coisa que demonstre de maneira mais decisiva o caráter de um homem do que a maneira como trata as mulheres.” (Herder). O pronome relativo “como” tem sempre as palavras “modo”, ‘maneira” ou “forma” como antecedente e equivale a “pelo qual” (ou flexões). No pensamento de Herder, funciona como adjunto adverbial de modo. O primeiro “que” refere-se ao substantivo antecedente “coisa” e funciona como sujeito; o autor formou um símile com “do que” – expressando relação de comparação, porém sem função sintática.

4. QUEM

No português contemporâneo, o pronome “quem” só se refere a pessoas e sempre aparece regido de preposição: “Aquele é o presidente a quem mais admiro.”
Como o verbo “admirar” é transitivo direto, o relativo “a quem” funciona como objeto direto preposicionado.

5. CUJO

“Cujo” é um relativo que sempre correlaciona algo possuído (consequente) a um possuidor (antecedente). Emprega-se apenas como pronome adjetivo e concorda com o consequente em gênero e número: “Xadrez é um jogo cujas regras nunca compreendi”, em que o pronome “cujas” funciona como adjunto adnominal.
Vem precedido de preposição sempre que a regência do verbo ou nome o exigir: “Aquilo é o qjue sobrou do prédio de cuja implosão não me lembro”. (Eu não me lembro da implosão do prédio.)
Neste caso, o verbo lembrar-se rege preposição “de”, e o relativo “cuja” exerce a função de complemento nominal.
Fiquemos com a beleza dos versos de Antonio Nobre:

“Convento d’águas do Mar,
ó verde Convento
Cuja Abadessa secular é a Lua
E cujo Padre-capelão é o Vento...


O “que” de Camões
Nos versos da estrofe 118, Canto III, de Os Lusíadas, Camões usou duas vezes o pronome relativo “que”:

“O caso triste e digno da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que depois de ser morta foi Rainha”.

Muitos não entenderão o conteúdo caso não percebam, na inversão, que o 1º pronome refere-se a “caso”, funcionando como sujeito da oração subordinada adjetiva. No 2º caso, o pronome refere-se ao antecedente implícito “Inês de Castro”, funcionando como sujeito da oração subordinada adjetiva.
LUIZ ROBERTO WAGNER – Doutor em Letras pela UNESP de Araraquara e Professor Universitário.
(Revista – Língua Portuguesa. Ano 3. Nº 42. abr.2009. p.42
)








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